A moça com frio e outras armadilhas



Alguns elementos de psicologia

A moça com frio é um dos elementos mais comuns e funcionais de filmes de terror ou de suspense, ou mesmo nos filmes que querem colocar evidência em alguma personagem que não pode parecer nada mais que uma moça frágil. O grande truque neste caso é a imagem que a “moça com frio” passa. Explicarei como isso nos apela psicologicamente e como essa pequena armadilha imagética tem uma força tão poderosa.

Você certamente já notou que em diversos filmes há um momento comum em que a câmera focaliza uma mulher, normalmente com um casaco muito fino segurando o braço esquerdo com o direito aparentando sentir frio. Às vezes a personagem aparece com os braços cruzados usando um vestido, em outras traja roupas mais confortáveis, como um pijama ou algo do tipo. Para dar um exemplo, abri uma pasta aleatória no computador e encontrei uma das primeiras cenas de Resident Evil. Eis que encontramos Alice saindo de casa para conferir um som suspeito, antes que de ser arrastada para a Colmeia da Umbrella Corporation. Note que este filme não é nenhuma obra de arte, não é nada sensacional e, ainda assim, a “moça com frio” aparece. 

O que compõe a cena é uma mulher aparentemente frágil. Ela é frágil porque sente frio, está usando algo inadequado para o clima, segura o braço na esperança de se amparar sozinha sem nenhuma outra figura de apoio. Isso dá o colorido para o que se desenrola na história. Eventualmente, a personagem se mostra uma heroína corajosa e destemida, mas isso é mais raro. O uso destes elementos normalmente está vinculado à morte certeira. É feito para causar empatia no espectador. Há um elemento machista, afinal, é sempre uma moça desprotegida, mas apesar disso é uma estratégia que funciona e funcionaria muito bem se fosse um homem no lugar. Porém, como sabemos, a indústria cinematográfica é ainda ignorante para seus próprios estereótipos.


O frio nos predispõe a prover aconchego. Dificilmente uma pessoa se sente completamente apática quanto percebe que outra está com frio. Junte isso ao braço cruzado – que indica uma tentativa de se aquecer e se sustentar – e teremos um poderoso estimulador de nossa empatia mais imediata. 

Existem diversos elementos como este, haja vista nossa psicologia primária ser muito semelhante. Compartilhamos também de uma estética cultural que por sua vez é fundada nas narrativas comuns à nossa sociedade. Jodie Foster, em "O Silêncio dos Inocentes", é a representação da Chapeuzinho Vermelho correndo do lobo mau na floresta. É a primeira cena do filme e a câmera a “persegue” enquanto ela corre em suas atividades físicas diárias.

Tudo isso funciona tão bem porque somos predispostos a muitas estruturas narrativas e visuais. Nos envolvemos com o personagem com o qual nos identificamos, seja por semelhança, contiguidade ou causalidade. Ou seja, o personagem que evoca em nós algum tipo de semelhança rapidamente se torna, pelo princípio de identificação, um alvo de nossa atenção, aspirações e desejos.

Em breve trarei mais elementos da forma como nos comportamos, ou quais as nossas expectativas afetivas e emotivas nos motivam a nos comportamos assim, e explicarei os princípios de “contiguidade” e “causalidade”. Como é um longo tema, fica pra próxima!

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