Generosidade. Se fosse para trazer à tona uma palavra presente na essência da história de Scalzi, eu diria que é essa: generosidade. Até que ponto você se entregaria por seu país? Pelas gerações futuras? Se jovem, você deve ser menos tentado a doar-se para uma causa maior, afinal você ainda tem toda uma vida pela frente, mas e quando o que te resta pela frente são alguns anos em um corpo velho e em decadência? Você se doaria?
A Terra desenvolveu sua expansão espacial. Vários outros planetas são colonizados por nós e um número ainda maior de civilizações extraterrestres são conhecidas agora. Algumas, bem poucas, não apresentam oposição à raça humana, mas a maioria... bom, a maioria quer que sejamos o almoço. John Perry, em seu aniversário de 75 anos, visitou pela última vez o túmulo de sua esposa aqui na Terra, e, em seguida, se alistou nas Forças Coloniais de Defesa, um órgão militar que coloniza outros planetas para a raça humana e é responsável por defender aqueles já colonizados. As FCD recebem os alistamentos de idosos a partir dos 75 anos e os leva para seu treinamento e aperfeiçoamento para que estejam aptos para batalhas.
Durante o desenrolar da história, somos apresentados a diversas raças alienígenas e às suas intenções no universo. Há a clássica, e bem oportuna, questão das aparências, mas o que prevalece mesmo é a relação do homem com a morte. Todos os alistados nas FCD estavam em vias de morrer. Não em estado terminal, mas com 75 anos você não espera ver muitas olimpíadas a mais, certo?! Os recrutas, então, vêm de uma vida pregressa repleta de histórias, sua identidade já construída e, por 75 anos, consolidada. Há a desconstrução da identidade anterior com uma quebra de vínculo com toda a vida terrestre de quem se alista: para todos os efeitos, quem se alista está morto na Terra. Como, então, abandonar tudo aquilo que você era ou tinha e partir em direção ao desconhecido? É o mesmo sentimento diante da morte. A atração pelo desconhecido causada pela curiosidade é o elemento principal que motiva os idosos a se alistarem e a eu e você continuarmos a virar as páginas.
Até agora você não sabe muita coisa sobre o livro, certo? E é assim mesmo! A principal jogada de Scalzi é manter o leitor com o mesmo nível de informação de Perry. O que seria aperfeiçoar o corpo? As FCD darão corpos novos? Consertarão os velhos? Máquinas? Você só saberá no exato momento que Perry souber, e garanto que a surpresa será intensa. A narração em primeira pessoa ajuda bastante na aproximação. O livro é dividido em 18 capítulos. Cada um deles é um tanto longo, exceto o primeiro, mas conduzidos de uma forma bem intensa. Não existe, nem mesmo durante as descrições ou diálogos politizados, um momento monótono sequer. É um livro de ação. Muita!
Inevitavelmente fiz a comparação de Scalzi com outro autor bastante conhecido do gênero e do sub gênero em que se encaixa. Heinlein, autor de "Tropas Estelares", foi a maior inspiração para Scalzi, e ele mesmo confirma isso. Os traços da ficção científica militar são comuns, mas, se formos comparar com Tropas, Guerra do Velho se torna um livro mais abrangente em relação ao público. Enquanto nas páginas de Heinlein o leitor se depara com uma ode ao militarismo e uma adoração desmedida à hierarquia, no livro de Scalzi isso tudo faz parte do personagem e, portanto, é mais fácil de assimilar. Não existe aquela sensação de que o autor está tentando convencê-lo de algo. Tal convicção surge naturalmente.
Scalzi ainda é um autor relativamente novo. Mesmo assim já foi indicado a prêmios de literatura e eu tenho certeza que ainda ouviremos falar muito sobre ele. O livro Guerra do Velho já teve seus direitos de adaptação vendidos e garanto que tem tudo para ser uma série de bastante sucesso. Sabe aquele ditado sobre o aluno superar o mestre? Então, Heinlein adoraria ler um livro do John Scalzi...
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