Meu avô, minha avó e frangos

Meu avô comia frango e batia na minha avó.

Minha avó apanhava diariamente e matava frangos para alimentar meu avô.

Uma das coisas que mais me lembro da casa de meus avós eram as rotinas e os sons. Diariamente eu ouvia o portão se abrindo pela manhã e voltando a fazer barulho pelas dez horas. Minha vó voltava com um frango com as patas amarradas enrolado em uma folha de jornal. Vivo. Brevemente.

Eu, menino criado na cidade, sempre quis ver como o frango se comportava solto pelo quintal, mas nunca pude. Minha avó sempre achava um problema deixar que eu brincasse com o animal que em breve seria morto e viraria o almoço do meu avô. E esse almoço seria pontualmente ao meio-dia ou eu ouviria ela apanhando.

Todo dia, mesmo com a proibição, eu descia de minha casa e ia na minha'vó quando ela chegava. Ela se escondia na área de serviço, eu ouvia um grasnar e a via saindo suja de sangue carregando uma faca para lavar no quintal. Religiosa como ela era, não lavava dentro de casa a tal faca. E eu nunca mais veria aquele frango nem imaginaria como ele era solto do barbante que amarrava suas patas quando chegava.

Numa quarta-feira o gás acabou, o almoço atrasou e minha avó apanhou.

Num sábado meu avô esperou o frango e não gostou do sabor. Minha vó apanhou.

Um dia ela trouxe uma galinha carregada debaixo do braço e com um olho roxo estampado no rosto. Naquele dia ela não apanhou. Mas ouvi o grasnar, vi a faca suja de sangue e não vi mais o frango.

Passaram uns dias e minha avó deixou a panela cair no chão e ela também foi ao chão. Pelas mãos do meu avô. No dia seguinte ela estava chorando quando foi lavar a faca e, como de costume, não vi mais o frango que chegou naquela manhã.

Os dias se passaram e o olho roxo se curou. Vi minha avó chegar com um frango debaixo do braço e fui calçar os chinelos para ir tentar ver algo daquele misterioso procedimento.

Entro na casa de minha'vó pela porta lateral e a vejo com um sorriso enorme no rosto carregando uma sacola e a faca ensanguentada. Ela não lava a faca, apenas joga a esmo no quintal.

A casa está no mais absoluto silêncio.

Um frango passa por mim ciscando.

Eles andam engraçado...

0 comentários:

Postar um comentário

 

BLOG HORRORSHOW - CRIADO E DESENVOLVIDO POR ARTHUR LINS - TODOS OS DIREITOS RESERVADOS © 2015