O incolor Tsukuru Tazaki e seus anos de peregrinação, Haruki Murakami





"O encontro de duas personalidades é como o contato de duas substâncias químicas: se houver qualquer reação, ambas são transformadas". JUNG, C. G.

Títulos são coisas fascinantes. Acredito que quanto maior e/ou mais louco for o título, maiores são as chances de eu ser atraído pela obra. "O incolor Tsukuru Tazaki e seus anos de peregrinação", que descobri através de um marcador de página (muito bonito, por sinal), não é uma exceção a essa minha teoria. No momento que descobri que o autor desse livro com nome gigante e estranho era nada mais, nada menos do que Haruki Murakami, eu logo senti a necessidade de ir atrás do livro e saber do que se tratava. Mas não mentirei: nunca tinha lido nada do senhor Murakami e logo percebi que "O incolor Tsukuru Tazaki" seria um ótimo lugar para começar.

Responsável pela trilogia de grande aclamação pelos críticos literários, 1Q84, Murakami era meu conhecido de vitrine de loja havia um bom tempo. Sempre resisti à tentação de comprar um de seus livros (principalmente 1Q84) e lê-lo de forma voraz, e não sei explicar o motivo de ficar na defensiva ou de me sentir tão atraído pelos livros de um autor que eu jamais havia lido. Talvez (e entro no campo das coisas incertas agora), houvesse uma espécie de aura ao redor dos livros do senhor Murakami, como se dissessem "se você me ler, eu te darei algo especial; te farei se sentir especial". Foi assim que eu me senti após terminar "O incolor Tsukuru Tazaki": especial por ter lido um dos melhores livros da minha vida. Sem exageros.

Tsukuru (pronunciado "Tskuru" - no japonês, quando há o encontro do "s" com o "u" no meio de ma palavra, falamos apenas o "s", e o "u" fica mudo. Outro exemplo disso é no anime Naruto, onde o personagem Sasuke tem seu nome pronunciado sem o "u", como "Saske" - apenas uma curiosidade) Tazaki ama trens e estações. Não, "amar" é pouco para ele. Tsukuru Tazaki é obcecado por trens e estações. Seu sonho, desde criança, é construir estações. E agora, com 36 anos, esse sonho, de certa forma, foi realizado: ele é o responsável pelos projetos de reforma e (re)construção de algumas das várias estações de trem do Japão. Entretanto, ele se sente vazio, solitário, angustiado pelo passado, como se algo dentro dele estivesse quebrado. E ele sabe, dentro de seus limites, de onde vem essa dor que ele tenta apaziguar simplesmente deixando-a viver entre as entranhas de seu ser.

Quando era mais novo, Tsukuru fazia parte, em Nagoia, de um grupo de cinco amigos inseparáveis que formavam o que ele mesmo caracteriza como "uma comunidade que se harmoniza de forma ordenada", como se todos soubessem exatamente suas partes, as regras de harmonização e convivência e tudo fosse perfeito e feliz. O grupo era formado por Tsukuru e mais quatro amigos, os coloridos. Coloridos porque cada um possuía um sobrenome que remetia a alguma cor. Os garotos eram Ômi e Akamatsu, respectivamente "mar azul" e "pinheiro vermelho". Já as garotas eram Kurono e Shirane, "campo preto" e "raiz branca". Azul, Vermelho, Preta e Branca. Esse grupo que se formou através de uma ação social que os cinco, que nem se conheciam, decidiram fazer durante o colegial, teve um fim abrupto quando Tsukuru, que estava com 20 anos e cursando o 2° ano de faculdade em Tóquio (enquanto o resto do grupo havia ficado em Nagoia), foi expulso, sem rodeios, categoricamente, do grupo. "Desculpe", disse Azul, "mas não queremos mais que você ligue para nós". A dor da rejeição dos amigos é tão grande que Tsukuru nem insiste em saber o motivo disso ter acontecido; ele apenas absorve da melhor maneira que consegue, entra em depressão, pensando diariamente sobre a morte: se houvesse uma porta mágica que o levasse para o outro lado, como num passe de mágica, ele a teria aberto. Depois de seis meses em que Tsukuru quase nem viveu, perdeu peso e não morreu fisicamente, ele consegue, aos poucos, voltar com sua "vida" e abandonar os amigos de Nagoia, se focando em outras coisas e enterrando a dor bem fundo em seu coração. Pelo menos era o que achava até conhecer Sara.

Sara, uma mulher dois anos mais velha que Tsukuru, é o real ponto de partida da história. Sara é uma mulher bonita e bem sucedida, que pode se dar o luxo das coisas belas do mundo, Ela e Tsukuru haviam saído algumas vezes e, claramente, Tsukuru, está se apaixonando por ela. Em um dos encontros, Sara deixa claro que estava gostando do protagonista, mas ela sentia que tinha alguma coisa errada no fundo do coração de Tsukuru, algo que não deixava o relacionamento dos dois fluir corretamente. Ele conta o que aconteceu, sem entrar um muitos detalhes a princípio, e logo Sara entende o que Tsukuru deve fazer: ele tem que fechar essa ferida má cicatrizada, e a única maneira de fazer isso é indo atrás de cada um dos amigos, cada membro da "comunidade que se harmoniza", e perguntar o que aconteceu, por qual motivo ele fora expulso da vida de seus antigos companheiros. Tsukuru aceita a ideia e, com a ajuda de Sara, consegue achar o paredeiro de cada um dos "coloridos" e embarca numa jornada em busca de respostas.

A busca por respostas é incrível e, apesar de descobrirmos o que gerou o afastamento de Tsukuru de seu grupo de amigos, os elementos mais importantes do livro não são os acontecimentos, mas os personagens. Livros de ficção tendem, várias vezes, a levar a história tão a sério que, mesmo com personagens grandiosos como protagonistas, nós, leitores, ficamos mais interessados em saber como a narrativa vai acabar. Não acontece o mesmo com "O incolor Tsukuru Tazaki". Você pode até querer saber o que aconteceu, mas é apenas uma questão secundária: os personagens e suas relações, a maneira que elas evoluem e recuam com o passar dos anos e do rol de acontecimentos, a maneira que essas relações são alteradas dependendo das pessoas que estão ao nosso redor, é o que atrai. Murakami criou seus personagens com louvor e a forma que eles interagem entre si, como agem, como pensam, é fascinante, permitindo uma intensa análise psicológica e existencial de suas vidas, como se fossem pessoas reais. E é isso que há de melhor em um bom livro: a forma que não só a história avança, mas o jeito que os personagens, os jogadores, lidam com desafios propostos, a maneira que eles parecem tão vivos que poderiam ser seus vizinhos, seus amigos ou até mesmo você.

"O incolor Tsukuru Tazaki e seus anos de peregrinação" é um livro impressionante por apresentar essas nuances em menos de 350 páginas. A leitura, apesar de pesada, é rápida e consegue prender o leitor com seus mistérios e com a escrita poética de Murakami. Indo muito além da história, Haruki Murakami conseguiu criar um mosaico profundo e muito belo ao falar das relações humanas e o que fazemos para sustentá-las.

2 comentários:

  1. Oi Gabriel!
    Recebi seu recado no Skoob e vim ler seu post
    Adorei!
    Fiquei ainda mais curiosa para ler este livro. Li dele, Sono e gostei muito!
    Muito bom seu post. Vou passear pelo blog. Parabéns!
    Bjks

    www.blogdaclauo.com

    ResponderExcluir
  2. Procurei, procurei, procurei, alguém que conseguisse escrever sobre e fazer justiça à obra magnifica que é "O Incolor..." e claro, fazer justiça também ao Murakami que é um dos melhores escritores contemporâneos. Eis que quase desistindo me deparo com este texto muito bem articulado e na medida certa. Parabéns cara. Muito bom trabalho.

    ResponderExcluir

 

BLOG HORRORSHOW - CRIADO E DESENVOLVIDO POR ARTHUR LINS - TODOS OS DIREITOS RESERVADOS © 2015