O Cemitério, Stephen King


Dentre vários assuntos abordados nas obras de Stephen King, “O Cemitério” se destaca por fazer uso de um incomum: a dor da perda. Qualquer pessoa que passa pela situação de perder alguém próximo, seja amigo ou parente, não se recupera rapidamente e, nesse livro, King nos faz passar por cada minuto de dor pela perda. Intensamente.

Louis Creed é um médico que se muda de cidade ao aceitar um emprego numa universidade na nova locação. É um livro do King e ele se muda para o Maine. Sabemos que não vai acabar bem. Juntamente com seus dois filhos, Ellie e Gage, e sua esposa, Rachel, se mudam para uma casa à beira de uma rodovia de grande movimentação de caminhões. Na frente de sua casa mora um casal idoso, Jud e Norma, com quem Louis faz amizade quase que instantaneamente. Jud apresenta à nova família o lugar e as suas peculiaridades, como o cemitério de animais ao qual o título do livro se refere. Todos os animais possuídos por crianças que morrem naquele lugar são enterrados nesse cemitério, que estranhamente tem suas tumbas arranjadas em círculos concêntricos. Como sugerido já na capa da obra, o assunto central começa a ser tratado: a morte.

De certa maneira, tudo corria bem, até Louis encontrar o gato de sua filha morto no quintal da casa de Jud. Diante da possibilidade de ver uma criança arrasada pela morte de seu único animal de estimação, Jud conta a Louis sobre outro cemitério, indígena, além do anterior, com certo poder: se enterrado lá, Church, o gato, viverá novamente. Louis nem hesita e faz o enterro no outro cemitério. Church reaparece vivo, mas não é o mesmo gato de antes. A história dá um solavanco massivo quando Gage é atropelado na rodovia e morre. É então que começa a agonia de Louis, e do leitor, com a perda do menino. Isso também levanta uma questão óbvia: Louis se sente impelido a enterrar a criança no cemitério indígena. Melhor parar por aqui antes que estrague algo, mas devo dizer que ainda não contei metade do livro!

Como não podia deixar de ser, o livro faz referências a outras obras do autor, como a Cujo, já nos primeiros capítulos. Também há uma referência à banda Ramones que, ao serem citados, fizeram uma música totalmente inspirada no livro e se tornou um de seus maiores sucessos: Pet Semetary.

O Cemitério conta com algumas táticas de narração desenvolvidas para que o leitor se envolva mais com o lado sentimental dos personagens do que com as ações ocorridas em si. E funciona. Você, ao ler o livro, não se importará com o fato do gato ter morrido, mas com o que Ellie sentirá se souber. Quando Gage morre, Louis entra em um estado de desespero e suas ações não importam para o leitor porque a violência com que ele é atingido por isso é maior. Mais presente. Não apenas em Louis, mas causa a mesma agonia no leitor.

Algo interessante de comentar é que King provoca a dor de um pai pela perda do filho em qualquer pessoa num grau elevadíssimo. Mesmo que você não tenha filhos. Mesmo que você nunca tenha tido nem um daqueles pintinhos coloridos que se vendem na feira, você vai sentir a agonia de definhar na ausência de alguém muito amado, tal como um filho. O autor, confessadamente, teve inspiração nas vezes em que se imaginou perdendo o seu próprio filho. Imagine, então, a carga emocional contida numa obra em que alguém olhou para uma das pessoas que mais ama, pensou em como seria perdê-la e em seguida tentou, e conseguiu, transmitir a dor para o papel. A obra é dividida em três partes e cada uma delas representa um estágio na personalidade do protagonista Louis. Há algumas pessoas que acham o desenrolar do livro lento, mas na verdade é estritamente necessário. A primeira parte realmente é mais longa, porém serve de base, muito bem feita, do desenvolvimento emocional de Louis. Além do mais, o leitor se encontra diante de diversas oportunidades de reflexão e filosofia como o trecho que inicia a parte dois:

“Provavelmente é um erro acreditar que exista um limite para o horror que a mente humana pode suportar. Parece, ao contrário, que certos mecanismos exponenciais começam a prevalecer à medida que o infortúnio se torna mais profundo. Por menos que se goste de admitir, a experiência humana tende, sob muitos aspectos, a corroborar a ideia de que quando o pesadelo se torna terrível o bastante, o horror produz mais horror, um mal que acontece por acaso engendra outro, frequentemente menos ocasional, até que finalmente a desgraça parece tomar conta de tudo. E a mais aterradora de todas as questões talvez seja simplesmente querer saber quanto horror a mente humana consegue suportar conservando uma atenta, viva, implacável sanidade.”

King escreveu uma obra atemporal. O que é tratado nela acontece em qualquer lugar, o tempo todo. Seus métodos de escrita tornam a atmosfera da história familiar e acolhedora. Mas não se engane: você será acolhido, sofrerá e depois será abandonado pensando no que leu por dias antes de conseguir engatar um livro novo. E vai adorar isso. A reflexão que “O Cemitério” deixa é profunda e pode atingir em diferentes níveis. Você pensará no que sente falta e temerá pelo que ainda vai sentir. Ainda assim é algo magnífico e, mesmo soando como fanboy, só poderia vir dele. God save the King!

2 comentários:

  1. Excelente resenha, muito bem escrita!
    Não consigo ler nada com gatos que eu fico nervosa...rsrsrs... mas até me deixou curiosa para ler.
    SUA ESTANTE
    Gatita&Cia.

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    Respostas
    1. O gato é parte importante e constante da tensão do livro. É bem enervante mas ao mesmo tempo interessante demais. Se não quiser ler, tem o filme. É uma boa adaptação mas é mais macabro que psicológico. O livro é oposto.

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