A Menina Submersa, Caitlin R. Kiernan

Esse livro foi uma cortesia da editora Darkside Books.

Poucas vezes algo me deixou sem saber como falar. Não que eu tenha essa dificuldade, até falo demais, mas não consigo montar uma sinopse única e acurada de “A Menina Submersa” porque o livro tem níveis de informação demais e porque todos eles são complexos o bastante para não serem facilmente expressos em escrita. Eu me esforçarei muito para tentar, mas já deixo o aviso de antemão: o livro é muito mais do que essa - ou qualquer outra - resenha jamais será capaz de contar.

India Morgan Phelps é uma menina esquizofrênica. Sua mãe e sua vó também eram, e se mataram em decorrência disso. Imp narra sua história acreditando estar destinada ao mesmo destino, já que tem a mesma doença de suas antecessoras. A menina também é aficionada por duas obras de arte: Fecunda Ratis, de Albert Perrault e A Menina Submersa, de Phillip George Saltonstall, que dá origem ao título da obra. Imp está escrevendo uma história a fim de manter os acontecimentos de sua vida registrados. Sua intenção é que sirvam como alicerce em momentos de dúvida sobre o que é real e o que não é. A necessidade de escrevê-la se dá pelo fato de que Imp não consegue discernir mais o que foi uma lembrança ou fruto de sua imaginação, sintoma da esquizofrenia. Alertando ao autor que suas memórias não são confiáveis, ou sequer existiram, a autora dentro da obra narra o que se lembra, da maneira que se lembra, e é onde a magia acontece. Suas lembranças são permeadas de criaturas fantásticas que são relacionadas de acordo com a situação.

A vida de Imp é explicitada para o leitor através da narrativa dela. Uma clássica e muito (ênfase em “muito”) bem executada metalinguagem. A história não é linear: Imp alterna entre passado e presente com frequência e faz uso de toques muito sutis e eficazes para mover o leitor por essa transição. O tempo presente narra acontecimentos comuns como o datilografar de sua história, e essa história tem o papel de contar o passado, da maneira como se lembra.

“Vou escrever uma história de fantasmas agora”, ela datilografou.
“Uma história de fantasmas com uma sereia e um lobo”, datilografou mais uma vez.
Eu também datilografei.

A Menina Submersa é mais que uma história de uma garota esquizofrênica. É um cruel passeio pela sua doença. Sem saber o que foi real ou não, a protagonista (e o leitor também) se vê obrigado a levar como verdade tudo o que é contado, mesmo que desconfie. Não há uma base sólida de informação que possa ser usada para desmentir ou confirmar o que está ali. E isso é brilhante! O que quero dizer é que não existe nada que o leitor possa encontrar no livro, nem fora dele, que possa ser usado como argumento. Quer ver um exemplo? Um leitor mais intencionado em questionar a interpretação de Imp do quadro A Menina Submersa, pode ter ido ao Google procurar imagens do quadro para obter a sua própria interpretação. Eu quis ver a obra por mim mesmo. Mas surpresa: não existe! Durante o livro todo você crê que as duas pinturas e seus autores são reais, mas não são. É um choque descobrir que não existem e, de novo, brilhante! Se algo que você acreditou durante todo o tempo da leitura que era real não é, o que mais pode ser confiado? Onde está o limiar de fato e fantasia? Não existe aqui. Não mais.

Caitlin R. Kiernan é uma escritora fantástica! Elogiada por Neil Gaiman, ela consegue transformar a relação entre leitor e obra em algo único e diferente de tudo que você já tenha experimentado antes. Não é apenas uma leitura, mas sim uma imersão na mente de uma personagem e em sua personalidade atribulada. Você conhece os receios de Imp e os sente. O leitor fica, então, atrelado à história e não vai conseguir se desvencilhar dela nem mesmo após virar a última página. Nem vai querer. Há o medo da descoberta do que é real ou não. Não da verdade, mas do que pode não ser. Confuso? Você vai me entender.

Esse é um livro da editora Darkside e tem a edição mais bonita que vi até agora. A capa é toda em relevo e as bordas das páginas são coloridas. É clichê mencionar o quão bonito um livro da editora é, mas é! Nunca li nenhum outro título da autora e me sinto envergonhado ao confessar isso, pois ela tem muitos e, dado a qualidade surpreendente que achei aqui, pretendo ler outros. Sim, eu confirmei, Kiernan é uma autora real. Os livros existem.

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6 comentários:

  1. Já me interessou. Gosto de livros que me surpreendam...

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    1. Esse é, definitivamente, um para você, então. Boa leitura!

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  2. E não é que eu fui buscar as imagens antes de terminar de ler a resenha sobre o livro, rsrsrs. Quero ler sim, ainda mais agora depois de ler sua resenha. Obrigado.

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    1. Achei essa brincadeira com a existência (ou falta de) das imagens muito legal!

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