A Menina que Roubava Livros, Markus Zusak



"Quando a morte conta uma história, você deve parar para ler."

A Menina que Roubava Livros tem o costume de dividir opiniões. Muitos amam, muitos não conseguem nem terminar. O curioso é que o livro dividiu minhas próprias opiniões. Amo-o em alguns aspectos, acho-o inconcluível em outros. Na verdade, nitidamente, consigo dividir o livro em duas partes, que coincidem com suas metades. Mas, antes de qualquer coisa, vamos aos seus aspectos globais.

"Está aí uma coisa que nunca saberei nem compreenderei: do que os humanos são capazes."

Logo no início, nos deparamos com uma proposta bastante diferente: quem narrará a história é a Morte. Sim, a Morte é quem vai te contar parte da vida de Liesel Meminger, mas uma Morte um pouco diferente da que você imagina. Ela mesma anuncia: "eu sei ser animada, sei ser amável. Agradável. Afável. E esses são apenas os As". Durante a prosa, ela realmente prova que pode ser tudo isso.

Devo dizer que, no início, não gostei muito da ideia, mas depois fui pegando o ritmo e terminei apaixonado pela forma como a história é conduzida. Acompanhando a narração, temos alguns comentários, notas com título e texto; são curtos, posicionados entre os parágrafos e bastante frequentes. A escrita de Markus Zusak é excelente, e isso contribui muito para o conjunto. Ao mesmo tempo que é de fácil entendimento, tem uma beleza que já não via nas obras mais recentes.

"Há uma multidão de histórias (um mero punhado, como sugeri antes) que permito que me distraiam enquanto trabalho, assim como as cores. Eu as apanho nos lugares mais azarados, mais improváveis, e me certifico de recordá-las enquanto executo o meu trabalho. A Menina que Roubava Livros é uma dessas histórias."

A história se passa na Alemanha nazista, e começa quando Liesel Meminger é abandonada aos dez anos de idade para ser criada por estranhos: Hans e Rosa Hubermann. Mas, no trem, a caminho de seu novo lar, a garota vê seu irmão de apenas seis anos morrer diante de si, depois de um contínuo acesso de tosse. A perda a atormentaria pelo resto de sua vida, e aquele era apenas o seu primeiro encontro com a Morte. No enterro do caçula, consuma-se o primeiro furto: Liesel se apossa do livro que o coveiro do cemitério deixara cair. Sua mãe parte e ela se vê sozinha, na porta do número 33 da Rua Himmel, sua nova casa, com O Manual do Coveiro em mãos ─ apenas o primeiro de muitos livros que ainda estavam por vir. Dali em diante, conheceria seus pais de criação e a vizinhança de Molching, palco de toda a narrativa.

"Talvez esse seja um castigo justo para aqueles que não possuem coração: só perceber isso quando não pode mais voltar atrás."

Agora, voltemos às duas metades do livro. Passei toda a primeira com um pensamento que não me saía da cabeça: "tudo bem, mas o que torna essa história tão especial a ponto de ser contada pela própria Morte?". Simplesmente nada acontecia. Pelo menos, nada que de fato mudasse o rumo da vida de Liesel. Nessa primeira metade, somos apresentados aos personagens que rodeiam a menina no bairro pobre em que vive, e até cativados por alguns. Mas o pouco que acontece, acontece devagar, num ritmo angustiante. Tive vontade de pular um punhado de páginas para ver se lá na frente algo estaria diferente. Quando finalmente parece que algo vai mudar, lá pela página 150, vemos a mudança se arrastar por mais umas 50 folheadas.

Nessa primeira parte, somos habituados ao cotidiano de Liesel na Rua Himmel. Jogando bola na rua com Rudy e desfrutando da companhia do vizinho e melhor amigo em grande parte do tempo. Ajudando sua "mamãe" Rosa com o trabalho de lavadeira, ou aprendendo a ler com o "papai" Hans. Aliás, o acordeonista merece uma atenção especial. Sabe aquele personagem que você se identifica pra valer? Pois é, pelo menos pra mim, Hans foi esse cara. Claro que muitos eventos pontuais são narrados para fugir da rotina, mas isso apenas significa se meter em roubos de batatas, nada que afete sua vida de forma contundente. E é bem por aí que dá aquela vontade de abandonar a leitura. Mas te apelo: siga em frente.

"Em anos vindouros, ele seria um doador de pão, não um ladrão ─ mais uma prova de como o ser humano é contraditório. Um punhado de bem, um punhado de mal. É só misturar com água."

Depois da metade do livro, as coisas começam a se agitar. É aí que a Alemanha nazista se faz sentir decisivamente, trazendo consequências destrutivas para a família da roubadora de livros, que, mesmo em silêncio, não concorda com os ideais de Hitler, principalmente com o antissemitismo. Uma nova figura passa a fazer parte da vida de Liesel, Max Vandenburg, o judeu escondido no porão. Os acontecimentos do livro deixam de ter o teor inocente de antes e aderem um ar mais pesado e perigoso. Daí em diante, as coisas começam a acontecer mais rápido e o leitor finalmente começa a se prender mais à história. E então A Menina que Roubava Livros só vai ficando cada vez melhor.

A narração tem outros mais aspectos curiosos. A própria narradora dá spoilers. Desde aqueles que se revelam no próximo capítulo até outros que se reservam para o final do livro, a exemplo da morte de personagens ─ afinal, ninguem melhor do que a nossa narradora para predizer mortes e até descrever como estava o céu na ocasião. As vezes isso pode ser um pouco desalentador, mas ela sabe antecipar alguns fatos na medida certa de detalhes, de modo a nos deixar curiosos para saber o percurso da trama até que o futuro já anunciado se concretize.

"Dei a vocês dois acontecimentos de antemão porque não tenho interesse em criar mistérios. O mistério me entedia. Dá trabalho. Sei o que acontece, e você também. As maquinações que nos levam até lá é que me irritam, me deixam perplexa, me interessam e me estarrecem."

Como já devem ter notado, a Morte conversa com você. Isso me confundiu um pouco. Em alguns encontros com Liesel, a ceifadora de almas faz comentários do tipo "eu me lembrava dela", "já a tinha visto na noite do trem". Isso nos faz supor que a Morte não estava ali, a vigiando o tempo todo, dia e noite. Mas, ao mesmo tempo, ela sabe contar tudo o que acontece na vida de Liesel com uma riqueza de informações absurda, e até expõe pensamentos dos personagens. Mesmo que a forma como a história de Liesel chegou até a Morte seja esclarecida no final, não me parece justificar tamanho detalhamento com que conta a história. Enfim, nada que prejudique a leitura.

"Estou sempre achando seres humanos no que eles têm de melhor e de pior. Vejo sua feiura e sua beleza, e me pergunto como uma mesma coisa pode ter as duas. Mas eles têm uma coisa que eu invejo. Que mais não seja, os humanos têm o bom senso de morrer."

Aqui reside o grande mérito de Zusak: a história. Lembra quando me perguntava o que fazia da vida de Liesel algo tão extraordinário para ser contado pela própria Morte? Pois é, fui respondido à altura. A história é realmente incrível, bastante comovente e emocionante. Mas aviso de antemão: ela começa triste e termina triste. Ah, e é recheada de tristeza, com algumas excessões a ela aqui e ali. Mesmo em meio à guerra e a um cenário desolador, a roubadora de livros, seu pai Hans, Max, Rudy, até sua mãe Rosa nos presenteiam com alguns momentos de paz e serenidade.

"E o riso dela? Era algo absolutamente dominador. Ninguém tinha a menor chance diante dele."

A Menina que Roubava Livros é um livro bastante antitético. Tem altos e baixos. Não pense que vai encontrar um enredo cheio de ação o tempo todo, mas vai encontar um outro que, no fim, superará todas as suas expectativas. Não se desanime no início, prossiga com a leitura e conheça uma história impressionante.

"Odiei as palavras e as amei, e espero tê-las usado direito."

2 comentários:

  1. é um dos livros que ficou marcado pra mim
    acho que por sou muito chegada nesses negócios de nazismo
    nao me levem a mal
    só quero saber tudo
    ler todos os livros
    ver todos os filmes
    sei que nao ´dá mais estou tentando saber tudo a respeito
    é um assunto incrivel de se estudar e conhecer

    no final todos morrem e só ela sobrevive
    a morte conta a história dela
    pq uma menina realizou a façanha de se esquivar da morte
    acho que é por isso que ela tem prazer de contar

    http://marcellepires.blogspot.com.br/

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    1. Sim, apesar de o nazismo representar um período triste e obscuro na história, não deixa de ser algo interessante de ser estudado. Obrigado pelo comentário (:

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