A leitura de poesia não é o assunto mais popular nem o mais envolvente para muitas pessoas, mas nem por isso deixar de ser interessante. Um ano atrás o blog Horrorshow compartilhou um texto sobre o acesso à literatura e fez uma listinha de diversos títulos recomendados para certos momentos da vida do leitor. Especialmente para aquele que quisesse se embrenhar no mundo fantástico e assustador, vasto e inesperado, dinâmico e curioso da literatura. Você pode conferir esta lista aqui.
No intuito de continuar a apresentar propostas para ler e gostar (leia “GOSTAR” com entonação, afinal, ler por obrigação é algo ultrapassado) de literatura clássica, poesia e mesmo filmes considerados difíceis, selecionamos cinco poemas de Cecília Meireles da obra “Coleção dos melhores poemas de Cecília Meireles”. Este livro organizado e compilado por Maria Fernanda, uma das filhas da poetisa, é um bálsamo para os amantes de poesia e um primeiro passo para aqueles que querem conhecer a obra e o estilo de Cecília.
Belíssimos poemas foram selecionados para esta obra, porém, outros tantos ficaram de fora, a produção de Cecília é muito intensa e Maria Fernanda optou por recortes que não prejudicassem obras fechadas como “Elegia” ou “Os doze noturnos de Holanda”. A proposta que apresentamos aqui é em certa medida a mesma da obra citada: um recorte do recorte, uma pequena seleção de poemas tocantes e que, lidos com a devida atenção, podem significar e ressignificar a visão do leitor.
Um detalhe que não pode ser esquecido quanto a leitura de poemas é a sua abertura interpretativa. Poemas são íntimos, pessoais e ao mesmo tempo expositivos e abertos a todos. É muito comum que professores insistam que seus alunos respondam à pergunta: "O que Cecília Meireles quis dizer em tal poema?" Como se a autora fosse incapaz de dizer o que ela queria ter dito. O que Cecília Meireles quis dizer com o poema foi o que ela disse, se ela quisesse dizer outra coisa teria escrito outra coisa (parafraseando Rubem Alves). Este respeito pelo autor e pela obra é ao mesmo tempo necessário e libertador, porque garante a atenção ao que o autor escreveu e liberta o leitor de criar uma interpretação imediata. Alguns poemas precisam amadurecer junto com o leitor.
Então, a dica para a leitura desses poemas é manter a atenção e a calma, permanecendo com a mente leve e com a imaginação livre para entrar e sair dos versos de maneira muito dinâmica.
Confira:
Motivo
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
- não sei, não sei. Não se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
- mais nada.
Retrato
Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida
a minha face?
Amém
Hoje acabou-se-me a palavra,
e nenhuma lágrima vem
Ai, se a vida me acabara
também.
A profusão do mundo, imensa,
tem tudo, tudo – e nada tem.
Onde repousar a cabeça?
No além.
Fala-se com os homens, com os santos,
consigo, com Deus... E ninguém
entende o que se está contanto
e a quem...
Mas terra e sol, lua e estrelas
giram de tal maneira bem
que a alma desanima de queixas.
Amém.
Canção Mínima
No mistério do Sem-Fim,
equilibra-se um planeta.
E, no planeta, um jardim,
e, no jardim, um canteiro;
no canteiro, uma violeta,
e, sobre ela, o dia inteiro,
entre o planeta e o Sem-Fim,
a asa de uma borboleta.
Canções
Há um nome que nos estremece
Há um nome que nos estremece,
como quando se corta a flor
e a árvore se torce e padece.
Há um nome que alguém pronuncia
sem qualquer alegria ou dor,
e que em nós é dor e alegria.
Um nome que brilha e que passa,
que nos corta em puro esplendor,
que nos deixa em cinza e desgraça.
Nele se acaba nossa vida,
porque é o nome total do amor
em forma obscura e dolorida.
Há um nome levado no vento.
Palavra. Pequeno rumor
entre a eternidade e o momento.
0 comentários:
Postar um comentário