Clássicos para leigos


Provavelmente você já quis comentar numa roda de amigos ou em algum post na internet sobre aquele livro que é considerado um clássico, provavelmente já se pegou tentando entender como tanta gente gasta um longo tempo discutindo Madame Bovary quando Harry Potter e Percy Jackson são muito mais envolventes. Talvez você tenha tentado ler Dom Casmurro e se entediado nas primeiras páginas, ou insistido por um longo tempo com Orgulho e Preconceito e tenha simplesmente detestado a narrativa. 

Mas o que isso diz sobre suas características de leitor?

Provavelmente nada.

O fato é que clássicos muitas vezes são um problema mesmo para leitores antigos e assíduos. No meu caso, sobrevivi a vários deles por um simples motivo: não consigo parar algo que comecei por pior que ele seja e, sim, o Morro dos Ventos Uivantes é um exemplo disso. Não gosto da história nem do estilo, mas comecei a ler quando era adolescente e não consegui abandonar puramente pelo meu leve TOC em finalizar as coisas. 

Mas você, caro leitor, provavelmente é uma pessoa um pouco mais equilibrada e talvez tenha passado um longo tempo se dedicando a tentativas que acabaram sendo frustradas pela maneira entediante como foram escritas muitas obras. Mas será que estes livros que causam furor nas conversas acadêmicas e que garantem longuíssimas discussões em blogs e páginas do facebook são realmente chatos, ou tem algo de errado no encontro com eles?

Obviamente vou defender a segunda possibilidade. Com isso quero dizer que não há nada de errado com os clássicos e não há nada de errado com o fato de você odiar alguns e não conseguir terminar outros. Me chamem de compatibilista, não me importo. A verdade na qual acredito piamente é essa: os clássicos nos são apresentados em momentos errados e da maneira errada. Posso fazer uma lista de culpados: em primeiro lugar, a escola, que muitas vezes força os alunos a fazer um resumo do livro “x”, que normalmente é apreciado pelo professor da disciplina, mas não necessariamente pela turma toda. Depois, a mídia, que os vende usando o pior tipo de propaganda para tais obras, pois apresenta George Orwell, Stendhal, Thomas Mann e outros como acessíveis somente a um seleto grupo erudito, basicamente composto de doutores em literatura e filólogos. 

Mas a questão ainda permanece: por que não consigo ler clássicos?

E a resposta é: VOCÊ COMEÇOU PELO LIVRO ERRADO NO MOMENTO ERRADO. E qual a solução? Vou apresentar no decorrer deste texto. Mas antes, algumas explicações são necessárias. O que torna um livro clássico é o fato dele nunca envelhecer ─ e você não precisa ter sido aluno do Borges pra entendê-los e amá-los. 

Tudo que você precisa é de um tema que lhe chame a atenção e de um autor que te envolva. Não há problema algum em começar um livro e desistir dele, talvez não seja a época certa para ler. Se você é uma pessoa sensível e que sofre muito com cenas de tortura (como eu) talvez seja melhor adiar ao máximo 120 Dias de Sodoma. Uma boa época para ler Sade é quando você está com certo ódio de alguma coisa (depois de um natal em família para alguns), pois ao começar o livro você provavelmente estará menos sensível e passará com menos náuseas pelas páginas da obra do libertino francês. 

Quando eu disse que você não precisa ter sido aluno do Borges (um cara verdadeiramente culto demais) quis dizer que você não precisa de erudição ou de formação acadêmica para ler Proust ou Jorge Amado, você precisa somente da dosagem certa. Afinal, os clássicos continuarão lá, continuarão a serem debatidos e nunca se tornarão obsoletos, pois a genialidade que os sustenta não tem limitações temporais. Então, se você foi estuprado intelectualmente por um professor que te forçou a ler Quincas Borba a fim de lhe arrancar um resumo, que foi escrito por você com má vontade o suficiente para acabar com a rotação da terra, não tenha peso na consciência. Como disse antes: essa não é a forma correta de chegar aos clássicos, ou pelo menos não é a forma prazerosa. 

Sem mais delongas, finalmente apresento um formato de leitura que venho testando há um tempo e que funcionou para alguns amigos, para alguns alunos e para alguns colegas de curso. Não é uma fórmula mágica, mas tem boas chances de dar certo para você, caro leitor, pois não se restringe a um tipo único de pessoa e é indicada para todos, afinal todos nós temos momentos em nossas vidas que se parecem com o que proponho, à saber, uma seleção temática e sentimental que passa pelo romance, terror e pornografia. Confira a lista de clássicos selecionada especialmente para você:

Se você é uma pessoa romântica e gosta de histórias de amor com finais perfeitos e encontros impossíveis que somente se explicam pela ação do destino, ou se não é uma pessoa assim na maior parte do tempo mas se encontra romântica por algum motivo, recomendo:

      1. A moreninha – Joaquim Manuel de Macedo

Um romance muito açucarado, mas que pode despertar o gosto de muita gente. Se você sofreu uma desilusão amorosa recentemente, leia para ter certeza que seu par perfeito ainda está a caminho. 

      2. Orgulho e preconceito – Jane Austen 

As primeiras páginas são um pouco cansativas, mas o esforço é recompensado no final. Para o leitor e para a protagonista.

      3. Senhora – José de Alencar 

Mais uma obra nacional, fruto do romantismo urbano, é envolvente, apaixonante e o final feliz é o cume do amor impossível idealizado. 

      4. Bonequinha de Luxo – Truman Capote 

Estou falando do livro, sim, existe um livro, e é tão legal quanto o filme de 1961 com a Audrey Hepburn. 

      5. O amor nos tempos do cólera – Gabriel Garcia Márquez 

Apesar de todo o sofrimento em certo momento da obra, o final feliz com uma paixão que desperta muito madura garante a fé no amor.

Se você quer introduzir seu primo adolescente, que está quase indo pra faculdade e no máximo lê uns posts no facebook sobre carros ou outras bobagens, eu faço uma recomendação ousada, que consiste basicamente em literatura clássica que tenha uma pegada mais pornográfica, afinal pode ser ela a única forma de segurar a atenção do futuro leitor:

      1. Fanny Hill ou Memórias de uma mulher de prazer – John Cleland 

É um romance com cenas detalhadas de sexo, narradas por uma jovem mulher que se tornou prostituta por necessidade e que apresenta seu envolvimento sentimental com cada cliente. 

      2. Justine – Marques de Sade 

É uma obra muito pesada, mas para a pessoa certa pode despertar o gosto por leituras paralelas. 

      3. Teresa Filósofa – Anônimo do século XVIII

Esse vale a pena ainda mais que Sade, a L&PM Pocket fez uma edição interessante dessa obra que fala de uma mulher tentando resistir a masturbação e tentada por um rico colecionador de livros. 

      4. Contos da Cantuária – Geoffrey Chaucer 

Em especial o “Conto do Moleiro” com Nicholas Chamuscado e suas tentativas desesperadas de transar. É bem picante, mas nada que um adolescente já não tenha visto por aí. 

      5. A mandrágora – Nicolau Maquiavel 

Uma das obras literárias do filósofo renascentista, neste texto acompanhamos as mentiras ardilosas de um homem afim de conseguir ter sexo com uma mulher casada. É o mais leve dos cinco, não chega a ter sexo detalhado como Fanny Hill, mas ainda tem muita picaretagem tendo em vista a realização de desejos sexuais. 

      6. O balcão ou A varanda – Jean Genet 

O mais recente da lista e um dos que mais envolvem rixas, sexo, roubos, perversões e crimes.

Se sua vibe no momento é ficção científica, se você quer conhecer as bases do que Hollywood replica à exaustão, ou se sua intenção é se aprofundar no misterioso mundo da ciência extrapolada e tornada literatura, o Arthur que entende do assunto muito mais que eu, recomenda:

      1. Micromégas – Voltaire 

Um livro de 1752 que é considerado o marco inaugural da ficção científica. 

      2. A Máquina do Tempo – H.G. Wells

Grande clássico do H.G. Wells lançado em 1895. Uma das primeiras aparições do conceito de viagem no tempo na ficção, e o primeiro romance a criar uma ideia de viagem no tempo proposital e seletiva, utilizando-se de um veículo.

      3. Viagem ao Centro da Terra – Júlio Verne

Uma obra de grande impacto na ficção científica, lançada em 1864, cuja influência afetou todos os grandes escritores de ficção científica posteriores ao Júlio Verne. Sendo uma obra frequentemente adaptada em mídias televisivas e cinematográficas. Nessa história, acompanhamos o jovem Axel numa aventura ao centro da Terra.

      4. Admirável Mundo Novo – Aldous Huxley

Obra importantíssima do Aldous Huxley que introduziu novos conceitos ao gênero unidos em uma forte crítica social e política. De manipulação genética passamos por condicionamento biológico e psicológico até uma sociedade completamente hierarquizada que dispensa os valores morais e religiosos para viverem em paz. Esse é o admirável mundo novo criado por Huxley.

Acrescento a minha lista de distopias, para pessoas que gostam de imaginar realidades possíveis ou futuros calamitosos. 

      1. Fahrenheit 451 – Ray Bradbury 

Obra que também existe na versão cinematográfica e que é um verdadeiro marco nas distopias contemporâneas. 

      2. Laranja Mecânica – Anthony Burgess 

O texto garantiu uma obra de arte no cinema dirigida por Stanley Kubrick, é um marco da cultura pop, há uma disputa se a obra é ficção científica ou distopia, mas sinceramente ela vale a leitura independe da conclusão sobre seu gênero de pertencimento. 

      3. 1984 – George Orwell 

Outra distopia que merece ser lida com a devida consideração. 

Eu poderia citar também Isaac Asimov e a Trilogia Fundação (que ainda não terminei) e Neuromancer de William Gibson, mas a intenção aqui é introduzir o leitor interessado, e Azimov, Gibson e Michel Faber, com o seu Sob a Pele, talvez devam ser leituras posteriores.

Uma possibilidade atrativa e que está mais do que consagrada é a literatura de terror ou de suspense, neste caso eu recomendo os chamados “Textos de Inauguração” que, como o nome já indica, iniciaram o movimento dentro da literatura de terror. Veja algumas sugestões:

      1. Outra volta do parafuso – Henry James 

A obra na qual se inicia a “psicologia fantasma” onde permanece a dúvida se a história é fantasmagórica e apresentada por uma ótica psicológica, ou se é psicológica e o fantasma somente serve de disfarce. 

      2. Um sussurro nas trevas – H.P Lovecraft 

O texto é denso e linear, mas recompensa o leitor insistente, em o Chamado de Cthulhu algo de comum ao “Sussurro” permanece e como o Chamado ganhou uma fama imensa é importante conhecer os dois.

      3. Drácula – Bram Stoker 

Por mais que o texto seja um pouco chato por ser composto de cartas e relatórios, que tem como objetivo dar um tom mais realista à leitura é ainda assim fascinante, pois estreia o tema vampiresco na literatura. 

      4. Contos de Fantasma – Daniel Defoe

Composto de histórias muito bem descritas e de uma especialmente interessante: A aparição da Senhora Veal.

Essas indicações são recomendações muito pessoais, uma busca no google por “romances com final feliz” ou “clássicos do terror” indicarão diversas obras, clássicas ou não. Basta buscar pelo assunto de seu interesse e localizar o título que poderá tirar sua virgindade das obras clássicas.

Lembre-se: caso você comece um destes livros e não o suporte ou perceba que ele é simplesmente chato demais, não se incomode, o tempo certo de lê-lo aparecerá. Amanhã você é outra pessoa, daqui a um ano as páginas de Notícias de Lugar Nenhum terão outro significado. Por hora, minha receita para entrar neste mundo fascinante e repleto de curiosidades é ir tentando diversos volumes seguindo seu gênero preferido. Clássico não é uma classificação de gênero, é bom lembrar; terror, aventura, romance, ação e fantasia são classificações e dentro de cada uma delas você encontrará uma infinidade de obras incríveis e que muitas vezes as inauguraram.

Clássicos são clássicos por nunca ficarem velhos, vide a Odisseia e outros textos. Considere essa lista uma indicação, adapte-a da forma como lhe parecer mais interessante, crie sua própria lista, conceda-se o prazer de conhecer essas obras e acima de tudo considere o momento certo da sua existência na hora de escolher o que irá ler.

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