Os Pequenos Homens Livres, Terry Pratchett




Tiffany Dolorida é a grande heroína deste livro, que inclui os melhores aspectos que a literatura fantástica pode ter. A obra é uma rara oportunidade de apreciar aventuras, críticas sociais, contos de fadas da mais alta qualidade e um refinado discurso (diluído ao longo do texto) sobre como e porque as heroínas podem e são tão ou mais interessantes que os heróis. Tiffany é o modelo crível de uma adolescente que cresceu no campo e que enfrentará uma grande aventura sabendo pesar as consequências e compondo uma mitologia própria e sincera.

Terry Pratchett tem a habilidade única de brincar livremente com nossos conceitos morais e sociais sem, com isso, perder o fio condutor da história. Seus personagens soam muitíssimo verossímeis, afinal, eles têm falhas e vontades humanas na medida certa.

Neste conto de fadas, Tiffany se vê auxiliada por pequenos homens azuis, de cabelos ruivos, cheios de tatuagens e ainda mais cheios de vontade de roubar, pilhar, beber e brigar. A heroína, por sua vez, sabe muito bem como fazer manteiga, mas desconhece a magia e como usa-la. Entretanto, ela decide ser uma bruxa, decisão que vem justamente do fato de ninguém em seu vilarejo aceitar que bruxas possam ser boas pessoas. 

A combinação improvável entre uma camponesa e os Nac Mac Feegle (os minúsculos homens azuis) resulta numa viagem ao reino das fadas e dos sonhos que iminentemente entrará em colapso com o mundo onde vivem nossos adoráveis personagens, pelo simples fato de o mundo de Tiffany ser um pouquinho mais real que o mundo onde vive a rainha das fadas. Tiffany cresce ao longo da história de forma muito convincente. Sua visita ao reino das fadas termina da forma mais espetacular possível; não há salvamento de donzelas em perigo, não há pequeno homem livre que simplesmente surja do nada e auxilie a camponesa, não há um lado propriamente mal na história. 

Tudo que Tiffany possui é um frigideira de ferro, um livro sobre ovelhas e um sapo falante que lhe foi dado pela Senhorita Carrapato, a única bruxa que aparece nos primeiros momentos da história e que some sem deixar instruções úteis. Sozinha, nossa brava e jovem quase-bruxa terá que fazer uso daquilo que possui, a sagacidade, a industriosidade e o conhecimento adquirido ao longo do caminho, terá que compreender que bruxaria em muitos casos é saber que não possui condições de resolver os problemas, mas, diferentemente das outras pessoas, ela sabe com mais clareza que não pode resolver tudo. Ser bruxa é, muitas vezes, reconhecer a impossibilidade de resolver tudo, é saber o que dizer e o que não dizer. 

Se isso faz o livro parecer monótono, não se assuste. Teremos viagens por lugares impossíveis, monstros assustadores, uma rainha malvada que só quer fazer o bem, e justamente por isso é tão perversa, e acima de tudo teremos acordos e desacordos entre Tiffany e os Nac Mac Feegle, que garantirão à história os tons que variam do cômico ao emocionante, do trágico ao renovador de estilos e formas de perceber a vida, o mundo e as relações. 

Se você ainda não teve o prazer de conhecer a obra de Terry Pratchett, “Os Pequenos Homens Livres” é uma boa forma de começar. A história é cativante, envolvente e ninguém é obrigado a lidar com mais do mesmo, ou seja, você não encontrará princesas esperando por príncipes encantados, nem criancinhas indefesas e menos ainda mulheres fracas, idealizadas e que aceitam aquilo que lhes é imposto pelos costumes. Tiffany é honesta, um pouco imprudente, sinceramente não ama seu irmãozinho mais novo (chega a usá-lo como isca para atrair a Rainha das Fadas, diga-se de passagem), não aceita que as pessoas sejam, às vezes, tão estúpidas e sabe que quando algo precisa ser feito ela pode e fará o que for necessário.

3 comentários:

  1. Excelente analise e o livro parece ser muito bom !!!!

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  2. Segundo a análise, o livro parece ser grande promessa. Méritos ao comentarista.

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  3. Deu vontade de ler! Parece ser muito bom.

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