O homem como invenção de si mesmo, Ferreira Gullar



Neste monólogo composto por um único ato temos a oportunidade de acompanhar tudo aquilo que Vincenzo nos narra. Trata-se de uma peça de teatro na qual o personagem principal conta para a plateia sua teoria sobre a existência. Intercalado a esse relato, temos as constantes tentativas de telefonar para Soninha que, por sua vez, havia abandonado Vincenzo a pouco tempo.

Ferreira Gullar consegue expressar em poucas páginas todo o peso de uma vida que tem dados pregressos e futuros. Vincenzo não está isolado no tempo e no espaço, ele tem história e tem aspirações. Sabemos disso porque ele mesmo nos conta tudo aquilo que lhe aflige, incomoda, sensibiliza e tudo aquilo sobre o qual teoriza.

A primeira e única cena na qual tudo acontece é descrita de modo a colocar Vincenzo nas suas atividades cotidianas. Ele está ao telefone com uma mulher que parece ser a mãe de Soninha enquanto tenta convence-la a chamar aquela com quem terminou recentemente e que é a única que sabe lidar com computadores. Vincenzo é escritor e está trabalhando numa peça sobre a qual saberemos mais no desenrolar do texto de Gullar.

“Olhem, confesso a vocês que não acredito em Deus, mesmo porque, se acreditasse, não poderia acha que o homem é uma invenção do homem. [...] Mas acho graça dessepessoal que acredita em Deus, sabe? Cai o avião, morre todo mundo, menos um cara, e ele diz: “Foi Deus que me salvou”. E quem matou os outros 210? Deve ter sido o Diabo. Mas eu não brigo com ninguém por causa de religião...”

O personagem Vincenzo parece-se muito com o que imagino do autor. A obra, por si mesma, é muito envolvente e na medida em que a teoria sobre o homem vai sendo desenvolvida as coisas ficam ainda mais interessantes. O final é um brinde a inteligência do leitor, algo que me agrada muito; a vida segue, plateia passa, o dia retorna e a luz se apaga. Valeria a pena ler o texto todo somente pela forma convincente como ele termina.

“Se Deus existe ou não existe, pouco importa: para Arthur Bispo do Rosário, que n’Ele acreditava e até Lhe ouvia a voz, Deus era a força que o inspirava, que dava sentido a sua vida. [...] Está dando pra entender? O homem vive num universo de ideias, sonhos e realizações que são frutos de sua inventividade... É isso que pretendo demonstrar neste monólogo que estou escrevendo...”

A Invenção de Si Mesmo é marcada pela criatividade humana, é a imagem de um colecionador de sonetos, a diferença é que este colecionador escreve os sonetos que coleciona e estes sonetos são sobre ele mesmo e suas vontades e desejos. De tal maneira que dizer que “o homem inventou Deus para que este o criasse” não só faz sentido no contexto da obra como dá toda a dimensão de espiritualidade a partir de si mesmo e para si mesmo, afinal “não é certo dizer que Shakespeare, ao criar seus personagens, tenha revelado a complexidade da alma humana; na realidade ele a inventou”. Grosso modo, o movimento do texto de Gullar é existencialista ou existencial, ele reapresenta aquilo com o qual lidamos todos os dias: a construção de nosso eu.

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