O Nascimento de Uma Nação, D. W. Griffith


O que leva um filme a ser apreciado e abominado ao mesmo tempo? O que faz com que o seu teor intolerante e descaradamente racista sobreviva exatos cem anos e ainda continue a ser usado como referência, além de ser um dos filmes mais importantes da história? O longa metragem controverso de D. W. Griffith – um dos primeiros e mais importantes diretores da história do cinema – gerou polêmica em sua época, porém manteve-se como o filme mais rentável dos Estados Unidos, conseguindo mais de 10 milhões (sendo que seu orçamento foi de, aproximadamente, 61 mil dólares), até ser substituído por The Big Parade, em 1925. Contudo, o que pode ser tão ultrajante para O Nascimento de Uma Nação (1915) ser visto com tamanho repúdio? A resposta é direta: o nosso “herói” é o criador da Ku Klux Klan.

O longa é divido em duas partes: o período da Guerra de Secessão, quando o norte abolicionista luta contra o sul conservador; e o período pós-guerra, com os acontecimentos após o norte sair vitorioso. Para criar o laço com o espectador, vemos a história do ponto de vista de duas famílias: os Stonemans, do norte, e os Camerons, do sul. A trama é narrada tanto pela família quanto por seus empregados, que apresentam os piores estereótipos raciais imagináveis. Durante toda a história, tanto o norte quanto os escravos e simpatizantes do abolicionismo são vistos como uma força destrutiva e, muitas vezes, inconsequentes de seus atos. Em contra partida, temos o sul representado por pessoas bem intencionadas, racionais e heroicas. Após a abolição da escravidão, o mundo se vê em uma ditadura fascista liderada por negros, mostrando o quanto os nortistas foram ingênuos em apoiá-los. É então que Ben Cameron decide entrar no combate à Ditadura Negra vestindo o seu gorro branco, assim criando a Ku Klux Klan.

A quantidade de passagens racistas e discriminadoras que percorrem o longa chega a ser incontável. Desde não haver atores negros na produção – todos os personagens “negros” são atores brancos maquiados -, até a mensagem de que os negros são figuras violentas e sexualmente agressivas em relação às mulheres brancas. Frases como “minoria branca desamparada” entre outras que colocam os brancos como as “vítimas” da história são facilmente encontradas, além da introdução que diz que “A vinda dos africanos para a América plantou a primeira semente de desunião”. A polêmica do filme foi tamanha que Griffith fez, em 1916, o longa “Intolerância”, onde fala sobre a falta de liberdade de expressão nos Estados Unidos. Contudo isso não impediu o longa de ser um sucesso pelos anos que se seguiram.

Dentre todo o teor racista, o que faz com que "O Nascimento de Uma Nação" seja um filme lembrado até os dias de hoje como uma das obras cinematográficas mais importantes da história? Embora não haja dúvidas que sua mensagem é perigosa, não há como negar a sua qualidade técnica e artística. Griffith sempre se mostrou mais interessado no meio do que na mensagem de sua obra, então acabou por estabelecer os padrões da linguagem moderna de Hollywood. Além de ser o primeiro épico histórico já feito – o que provou que o público já estava preparado para assistir a um filme de três horas de duração -, Griffith trouxe inúmeras inovações narrativas ao cinema. Significativos movimentos de câmeras, closes dramáticos, ações paralelas, travelings, alternância de sequências entre muitas outras questões, tanto de filmagem quanto de montagem; inclusive a primeira trilha sonora orquestrada.

É de se lamentar que um dos filmes mais importantes já feitos carregue uma mensagem tão cruel e desumana. Porém, são incontestáveis os motivos para que tenha sobrevivido cem anos, além de ser o ponto final ao Cinema de Transição. Apesar de tudo, sua mensagem trás uma visão assustadora de como a sociedade era na época e como pensava, mas as inovações trazidas por Griffith, que trilharam o rumo do cinema, continuam vivas e marcadas na história cinematográfica.

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