A Longa Marcha, Stephen King



Hoje em dia, a todo momento, surge uma nova distopia. Tanto que esse termo me parece, agora, um tanto banalizado. Com uma frequência (infelizmente) cada vez maior, os livros destinados a adolescentes e jovens têm se tornado variações de uma mesma receita. Um dos antecessores do movimento, em uma época em que não era fácil emplacar esse tipo de história, foi Battle Royale e, em uma época ainda mais difícil, anos antes desse último, Stephen King lançava A Longa Marcha, um livro que merece todos os aplausos possíveis.

O estado americano é o Maine. Invariavelmente, o Maine. 100 adolescentes se voluntariam para participar da Marcha, um evento organizado pelas forças militares em que a centena de jovens deve simplesmente caminhar por um caminho pré-definido em busca do grande prêmio: apenas um será vencedor e receberá o que quiser. Exatamente isso: todos andam até que 99 morram e o que sobrar receberá o que desejar. Andar abaixo de 6,5 Km/h, parar, tropeçar ou sequer parar para dormir podem garantir uma saraivada de tiros e lhe dar o, referido continuamente na história, bilhete azul. Acompanhamos desde o início do livro Ray Garraty, mesmo sem saber seus motivos para se inscrever em tão horrendo evento. Através das percepções de Garraty, conhecemos os demais competidores da Marcha e percorremos todo o trajeto, até o final da competição, sem haver narração de nenhum outro lugar em nenhum momento.

A Longa Marcha é um livro bem sentimental. É difícil não simpatizar com adolescentes querendo fazer uso do prêmio para melhorar as condições de sua família e sendo cruelmente assassinados no processo. Ao tempo todo, os competidores têm conversas entre si e é onde conhecemos um pouco da história de cada um. King é cruel e às vezes nos apresenta um participante, nos faz gostar dele e simpatizar com sua história para matá-lo no fim da página. Como não seria diferente, o desgaste físico e debilitações sofridas são amplamente explorados na narrativa e a descrição torna tudo muito táctil. Crível. Real demais.

Um dos principais trunfos do livro é a profundidade obtida com cada personagem. Nada é desperdiçado! Conhecemos Scramm, um jovem casado em excelente condição física, favorito à vitória, que pega pneumonia no meio da Marcha. Conhecemos Barkovitch, uma pessoa odiosa e, nesse caso, me surpreendi desejando a morte de um personagem. Repito: nenhum personagem é colocado na história à toa. Todos têm uma função, sonhos e todos, ou quase todos, são executados friamente.

Outro aspecto que surpreenderá o leitor são os questionamentos que o livro levanta acerca da vida e da morte. Dado a iminência de morrer, é natural que os competidores da Marcha filosofem sobre sua vida e sobre o provável término dela. Há os que abraçam o momento final assim como há os que o temem. E em cada fim há algo a se pensar sobre: morrendo hoje, você está satisfeito com o que viveu? Existe o que depois? Você morreria por alguém? Essas perguntas, embora clichês, são retomadas durante a narrativa em ocasiões onde alguém, com quem você se importa, morre. Essa espécie de lamentação pelo fim de um personagem, agora, querido enfatiza a filosofia por trás das indagações, tornando o processo de tentar responde-las algo nada fácil nem banal.

No meio de tudo isso, King ainda consegue espaço de sobra para usar a Marcha como alegoria para uma bem oportuna crítica à nossa sociedade. Iniciando cada capítulo com uma frase dita em algum game show qualquer, somos apresentados a uma face cruel do que nos tornamos. Espectadores ávidos por testemunharem um competidor ser eliminado estão nas margens da rodovia o tempo todo. Esperam por, além de assistir uma execução, coletar objetos abandonados pelos participantes que incluem sapatos, embalagens de comida vazias ou mesmo fezes. Essa relação do público com reality shows é conhecida, mas quando é explicitada em nossa cara, provoca uma reflexão sobre o que é correto ou não, por exemplo: o quão normal é assistir um grupo de pessoas mantidas em cárcere observadas durante o dia inteiro em seus momentos mais íntimos? É normal assistir pessoas passando fome e sofrendo numa ilha isolada batalhando umas com as outras por dinheiro? Se a resposta para você for “sim”, talvez você estivesse na beira da rodovia assistindo a Longa Marcha passar tentando obter uma meia suja de sangue como souvenir. 

Eu terminei de ler esse livro e o classifiquei com nota máxima em todas as redes sociais sobre leitura. É absurdamente bem escrito e desenvolvido. Algo que pareceria ser monótono (100 adolescentes andando) se torna motivador e emocionante. King, como sempre, traz o leitor para dentro de uma realidade, incute nele todo o leque de sentimentos envolvido e o faz sentir intensamente cada um deles. Eu diria que é surpreendente, mas vindo de Stephen King não me surpreende mais toda essa qualidade de um escritor. God save the King!

1 comentários:

  1. Gostaria de saber sua interpretação do final do livro.. o que você entendeu da chegada e do vulto?

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