Leite e mel



Gustavo


- Como se chama aquela arvorezinha que sempre tem em parques e que serve pra gente se esconder atrás? 
- Arbusto. De onde tirou essa agora, meu filho?
- É que outro dia a professora falou que não podemos cortar árvores, nem mesmo as pequenininhas, nem os “argustos” e nem pôr fogo neles. É que o Guilherme pegou uma caixa de fósforos da sala dos professores e tava tentando colocar fogo num “argusto”. E a Clara viu e chamou a professora, ai ele foi pra diretoria, e o professor João também.
- É arbusto, e como o professor João foi parar nessa história?
- É que a caixa de fósforos era dele, ai a professora falou sobre preservar as árvores com a gente e a diretora falou sobre não fumar com o professor João.
- É uma ótima história. E você aprendeu que não pode pôr fogo nas árvores?
- Sim, e não posso fumar.
- É isso ai. 
- Mais eu já vi você fumar.

- É, e viu que eu parei também. E você só tem seis anos, o pai tem trinta e sete, então sabe o que faz.
- Tá! Entendi. 
- Senta aqui no colo do pai que eu vou te contar uma história pra você ir dormir, já tá na hora.
- 'Mais' eu queria ver o que vai passar de filme.
- Eu sei bem o que vai passar e você não vai assistir. Faça o favor, Gustavo, ou você vai dormir sem história. 
- Tá bom. Posso tomar leite com mel antes de dormir?
- Pode, vou preparar pra você mas vai ter que escovar os dentes de novo.
- Ok.
...

- Pronto pai, já escovei meus dentes. 
- Senta aqui. Já te contei a história da Caipora?
- Já! Eu quero a da Bela e a Fera.
- Essa você já conhece também. Vamos pra uma nova. Moby Dick? Não acho que seja muito pesada pra você. Ah, já sei, nós temos doze dias até sua mãe voltar, vamos aos trabalhos de Hércules, também são doze, e cada dia eu leio um pra você. Quando sua mãe voltar, ela vai ter muita história pra contar pra nós dois..
- Você tá bravo com ela?
- Não. 
- Não parece. 
- Gustavo.
- Tá, parei. Vamos ao “Hércubes” então.
- É Hércules, ou Héracles 
- Héracles é mais legal...
...


- Boa noite, meu anjo.
-zzz...


Sandra


- Boa noite, amor!
- Boa noite, Sandra, por que resolveu me ligar só agora?
- Tava com a cabeça cheia...
- Você sempre está com a cabeça cheia!
- Se você começar com isso agora eu vou desligar.
- Faz o que você achar melhor, mas que é verda...
- tuuuu...



Gustavo


- Pai, posso dormir com você?
- Gu, o que você está fazendo fora da cama?
- Tem um monstro no meu quarto.
- Deita aqui, filho.
- Você nunca deixa eu dormir aqui, você sempre me leva pra minha cama e espera eu dormir.
- Hoje pode, Gu
- Tá. É por causa da mamãe?
- Também, querido, deita aqui, dá um beijo no pai, e se aparecer algum monstro eu cuido dele pra você...
- Tá... te amo
- Também te amo, querido.



Sandra


- Bom dia.
- Ontem você desligou o telefone na minha cara e simplesmente dá bom dia?
- Cadê o Gustavo?
- Foi pra escola, e não muda de assunto.
- Querido, eu já disse, estava com a cabeça cheia, preciso de um tempo.
- Você disse que ia ficar duas semanas fora, já faz uma semana, e eu falei ontem com o Gu que eram mais doze dias, pra caso aconteça alguma coisa ele não estranhe.
- Obrigada. Eu queria ter falado com ele ontem.
- Ele também ia querer falar com você. Você precisa mesmo de mais uma semana?
- Não, hoje vou ai conversar com você...
- A Dora vem de tarde limpar a casa. E eu vou dar aula até as seis, de noite o Gu vai estar aqui...
- Deixa o Gustavo na sua mãe que eu vou ai a noite então. Pode ser?
- ok



Dora


- Oi patrão! Já tá saindo? Não vou ter nem uma aulinha de física ou de filosofia?
- Oi Dora! Vou sair, querida, a aula fica pra amanhã, de noite a Sandra vem pra conversar.
- Ai ai... essa história de vocês já devia tá resolvida, por que o senhor não volta a acreditar em Deus de uma vez?
- Porque não existe voluntarismo doxástico, Dora.
- Não existe o que?
- Voluntarismo doxástico, é quando alguém escolhe acreditar em algo, isso não existe, é a mesma coisa que pedir pra você passar a acreditar que Jesus era um extra terrestre. 
- Credo! O senhor fala umas coisas, não tem medo de castigo de Deus?
- Deus não castiga, Dora, eu acho que ele nem existe, quanto mais castigar.
- Mas por que o senhor acha que Deus não existe?
- Por muitos motivos...
- Mas, mesmo o senhor duvidando, Deus pode existir. 
- Pode. E eu gostaria muito que ele existisse. Dora, depois acabamos essa conversa, tenho que ir pra faculdade. 



Lara


- Bom dia, professor...
- Bom dia, Lara! Bom dia a todas e todos...



Dora


- Dora, está aqui até agora por quê?
- A dona Sandra tá ai... tava conversando com ela.
- Ela chegou a muito tempo?
- Não, mas tivemos uma conversa boa.. O Gugu já foi pra casa da sua mãe. Seu pai veio aqui e buscou ele. E disse que é pra você engolir suas filosofias e acreditar que Deus existe, ou pra fingir isso pra Sandra, porque ela é uma mulher de ouro...
- Ela é, sim. Mas se eu mentir pra ela não serei bom o bastante pra ter uma mulher assim, não é, Dora?
- O senhor que sabe, vou indo que meu ônibus tá apontando ali.



Sandra


- Olá, querido. Vamos conversar?
- Vamos, o que estava conversando com a Dora?
- Ela disse que é pra gente resolver nossas “pendengas”, ela acha que a gente brigou só porque eu não aceito que você não acredite em Deus. 
- Imaginei. Essa de Deus é o menor dos problemas...
- Como vamos ficar, querido?
- Eu mudo certas coisas e abro mão de outras e aprendo a ser melhor. Tá disposta a fazer o mesmo?
- Sim
- Então vamos conversar...
...

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