Drácula, Bram Stoker



A escuridão é algo bastante curioso. Geralmente, é a noite que encontramos paz, mas, mais frequentemente, é durante as horas de escuridão que todas as coisas perdem sua forma. Ao tornarem-se disformes, elas fazem nossos olhos perderem suas funções; concentramo-nos, então, em experiências internas como o pensamento, a reflexão e os sonhos. A escuridão, no entanto, abre portas para um sentimento bastante poderoso: o medo. Dizem que o medo é uma das mais maravilhosas características de nossa evolução, nos pondo em alerta acerca de um perigo iminente, mas também transforma, tal como a escuridão, as coisas ao nosso redor. De repente, o simples ranger no assoalho é moldado por nossas mentes como a invasão de um intruso ou de peripécias sobrenaturais. É um tanto ilógico sentirmos medo no escuro, pois além da falta de luminosidade, nada, de fato, mudou no ambiente ao redor. Porém, a falta de luminosidade em si cria uma sensação de desconhecimento, mesmo que você saiba onda cada coisa está; o fato de não ver o suficiente nos coloca numa situação completamente primitiva, desarma-nos ao mesmo tempo em que aflora todos os nossos sentidos. A lógica deixa de importar e o instinto toma conta de nossos corpos.

Drácula é, claro, uma das mais renomadas histórias de horror e, também, a mais conhecida história de vampiros. Sem exagero, Bram Stoker definiu o cenário e as características básicas para todas as histórias de vampiros posteriores, é possível dizer que não há nenhum enredo vampírico pós-Drácula que não tenha parentesco com esta história. Se vilões tirânicos são uma necessidade da literatura gótica, é certo que Conde Drácula é o pai de todos eles, mesmo sendo uma das últimas narrativas verdadeiramente góticas a terem sido escritas.

A atmosfera da novela é inconfundivelmente gótica, sendo impossível falar sobre Drácula sem mencionar o gótico. O cenário é um castelo deteriorado e antigo, lar do Conde, tal cenário é, senão, o cânone da literatura gótica. O tema “donzela em perigo” ganhou aqui seus alicerces principais, mas, de forma bastante interessante, não são apenas as donzelas que estão em perigo, a própria figura masculina encontra-se subvertida; geralmente retratado na literatura como figura dominante, aqui está fragilizada e em perigo. O próprio Harker é salvo por sua esposa que tem “cabeça de homem”. Há quem diga que Drácula é um romance sutilmente feminista, e, levando-se em conta a época, diria que foi uma atitude corajosa e verossímil.

Superficialmente, o plot principal da novela pode ser resumida em uma pequena sentença: Drácula deseja criar mais vampiros na Londres vitoriana. Mas, não se deixe enganar, é muito mais do que isso. Drácula representa os medos e as fantasias vitorianas; é um comentário sobre o posição da mulher na sociedade, sobre seus desejos sexuais arduamente negligenciados, como também seus medos. Ironicamente, é na forma de vampiro que a mulher vitoriana encontra-se humanizada e empoderada. Daí, podemos ver uma certa tendência modernista, uma disputa entre a ciência com a religião e as superstições. O pensamento darwinista é encontrado em Drácula quando ele mesmo representa o “sobrevivente mais apto”. As conotações sexuais mescladas com descrições patológicas representam muito bem a época em que a história foi escrita; uma época em que o desejo sexual era reprimido, visto como algo doentio, por outro lado, explodia o número de bordeis por toda a Londres.

De fato, o valor extrínseco desta novela é incrivelmente alto. Stoker também explora o tema da insanidade com vários personagens. Cada personagem, ao se encontrar com Drácula, pergunta-se se tal momento não passou de uma alucinação decorrente de uma doença mental, sentem dificuldade em acreditar no ser Drácula. Isto é, senão, uma colisão entre o realismo vitoriano bastante comum na época com o tema sobrenatural. Além de tudo, Stoker discute questões de identidade e como isso é afetado pela transgressão de gênero.

“Drácula” está, definitivamente, no hall dos livros que todos devem ler, seja por valor cultural ou por apenas diversão. O padrão imposto por Stoker se mantém tão presente que é impossível não se sentir familiarizado ao ler a história, porém a forma epistolar e a escrita certeira de Bram tornaram esta novela uma preciosidade rara na literatura; as descrições vívidas e críveis são capazes de gelar os corações mais céticos. Por fim, “come freely, go safely and leave something of the happiness you bring”.

2 comentários:

  1. Meu Deus eu encontrei o blog mais lindo desde MUNDO!
    adorei! vou levar um tempo pra conhecer tudo de interessante que tem aqui mais vou seguir pra não perder as atualizações.
    eu também tenho um blog e também fiz resenha do Dracula! se tiverem interesse de conhecer aqui vai o link: http://torradascomcha.blogspot.com.br/
    abraços e até logo!

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  2. Comecei a ler, de verdade, esse blog ontem por uma postagem no L.A, brinquei com o nome, mas aí percebi que era mesmo referência a L.M. hahhah e não consigo mais sair daqui, mds...

    Enfim, sou meio suspeita para falar sobre Drácula, foi o primeiro livro (livro MESMO) que li na vida, e sou apaixonada por essa história, completamente. E você foi tão poético ao descrever o livro que me senti emocionada novamente, apenas por lembrar.
    Adorei.

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