A Família Bélier, Eric Lartigau

O cinema francês sempre me surpreende. Sempre! Com produções, às vezes, simples, acabam conquistando pelo zelo na construção do roteiro e n emotividade das situações apresentadas. A Família Bélier é um filme sem grandes atrativos visuais, mas que contém uma história linda, capaz de emocionar até o mais durão (ou que se finja de durão) dos espectadores. Tipo esse que está escrevendo.

Paula é uma adolescente que está naquela fase que todos tememos. Está lidando com o primeiro namorado, com a auto descoberta e com a potencial (ou não) realização dos seus sonhos. Outro aspecto, muito relevante, por sinal, a ser ressaltado é que os pais e o irmão dela são surdos-mudos. Dessa maneira, Paula se torna muito mais que uma adolescente aos olhos da família. Ela é a única porta de comunicação entre eles e o mundo externo. A família possui uma fazenda e seu dom da audição e voz é utilizado para firmar negociações. Essa é a grande cruel ironia do filme. Paula é uma ótima cantora e deseja seguir a carreira musical, mas fazê-lo significa cortar os laços mantidos até então com sua família. Seria privá-los da utilidade dela, em certos momentos, vital.

O diretor Eric Lartigau conseguiu abordar a deficiência da família de uma maneira curiosa. Enquanto vários filmes optam pelo caminho mais seguro, de tratar de maneira mórbida, ele consegue criar situações cômicas evitando o humor negro ou o sarcasmo nocivo. A maneira como o problema da família é tratado faz lembrar, inevitavelmente, de Os Intocáveis. Não que isso seja algo ruim. Louane Emera é uma grande revelação! A atriz, previamente cantora, traz uma maturidade absurda para o papel. Como conhecedor da língua de sinais, vi uma pessoa totalmente habituada a sinalizar, o que me indica que o comprometimento dela com a construção do personagem foi intensa. No elenco também temos Karin Viard; o motivo de ressaltar sua presença é o fato de que ela é brilhante! Seus gestos, risos e lágrimas são provenientes de uma figura claramente materna. Qualquer um reconhecerá uma parte de sua mãe nela. Juntamente com François Damiens, que interpreta Rodolphe, são os pais de Paula. Ambos se comportam de maneira muito bem entrosada e com bastante veracidade. As brigas entre os dois são cômicas e reconhecíveis. Podem ser seus pais discutindo. Você já viu cena parecida antes. Um detalhe bem curioso é que, ao interpretar uma pessoa com certa deficiência, o ator pode se encontrar privado de um dos meios de se expressar, tornando seu trabalho mais difícil. Não aqui! Acredito que, justamente pelo fato de não usarem as vozes, François e Karin estão ainda melhores! Não tenho muita base para julgar, já que vi poucos filmes deles, mas Karin, ao menos, tem em A Família Bélier seu melhor papel. Reparem nela durante o último número musical do filme que, a propósito, é a cena mais bela do longa inteiro.

Apesar da emotividade pretendida (e alcançada!), A Família Bélier é um filme de comédia. Os motivos das discussões, assim como os argumentos utilizados, são provocadoras de gostosas gargalhadas. O drama não toma o espaço inteiro do longa, mas o divide bem com o humor e transmite uma noção bem crua de realidade: nem tudo é tão triste, assim como nem tudo é apenas felicidade. Desde seu começo bucólico, A Família Bélier convida o espectador a uma viagem pelo interior da França. Panoramas de fazendas combinados com uma sonoridade acolhedora retiram o esperado marasmo do campo e o transformam em uma opção de vida acolhedora e desejável. A trilha sonora, como não podia deixar de ser, é um detalhe merecedor de atenção. Louane já era uma cantora bem conhecida antes do filme e ele serviu para alavancar sua carreira como nunca. Todas as suas cenas musicais no longa são repletas de emotividade e entrega à canção. Não é à toa que ela já foi indicada a quatro grandes prêmios de cinema e ganhou um de “atriz mais promissora”.

Há uma falha grande, na minha opinião, no filme. Durante a exibição, o espectador é apresentado aos personagens, mas alguns deles se perdem no decorrer do filme. O irmão de Paula, que nem lembro o nome ao escrever isso, é apagado da história mesmo estando uma grande parte do tempo em tela. O pai também tem um sonho: ele quer ser prefeito do lugar em que vivem, mas é outro que é esquecido pelo roteiro em razão da busca pela carreira musical de Paula. Não que enfatizar a menina seja algo ruim, mas se é apresentado um número N de personagens com histórias tão bacanas de serem exploradas, por que não utilizar na construção de um roteiro mais complexo? Ao final do filme fiquei com a impressão de ter assistido a história de Paula apenas. Os outros eram apenas figurantes com mais “airtime”. Não que isso tenha diminuído o prazer de assistir.

Não há “downside” nenhum em assistir A Família Bélier. Mesmo com a falha que ficou aparente para mim, pude apreciar uma linda história que é muito mais que um drama ou comédia dramática. É um filme lindo, completo, que leva o espectador por uma trilha de caminho ao sucesso junto com a protagonista. Sem dar spoiler sobre a conclusão, somos recompensados pela tensão com uma cena que, sem exagero, entrou pra história do cinema, pelo menos para mim. É o que há de mais puro em matéria de emoção. Sabe como é: eu sou um dos falsos durões do começo desse texto.

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