Fragmentados, Neal Shusterman






Este livro foi uma cortesia da editora Novo Conceito

Vou começar me entregando de uma vez: há muito tempo não lia um livro tão impressionante quanto esse. Não, ele não é perfeito – aliás, qual livro é? –, mas entrou para minha lista de favoritos. É possível encontrar alguns furos na história ou perguntas completamente sem resposta. Como encobrir a operação no sentido fiscal e trabalhista? Como aproveitar certas partes do corpo, já que consideram apenas o apêndice descartável? Não faria o menor sentido alguém receber um dedo de outra pessoa e receber memórias (não musculares) dessa outra pessoa. Também tenho dúvidas quanto à viabilidade de alguns elementos da história. E dai? A obra é uma distopia, excepcionalmente bem escrita, por sinal, e não tem a necessidade de ser 100% viável. Ou alguém aqui acredita na viabilidade de realidades como as de Admirável Mundo Novo e Laranja Mecânica?

Fragmentados retrata um mundo onde, após uma guerra, uma nova lei é criada para o acordo de ambas as partes. O aborto está proibido, mas depois os pais poderão optar pelo aborto retroativo, ou seja, abortar a criança depois dos treze anos de idade. Ao completar dezoito anos, a criança não poderá ser abortada. A criança retro abortada será, então, fragmentada, e todas as suas partes serão redistribuídas, o que todos se recusam a chamar de “morte”. Isso é o que diz a lei. Você também pode deixar seu bebê indesejado na porta de alguém que, por lei, será obrigada a cria-lo; esse seria o bebê da Cegonha.

Um detalhe muito interessante na maneira com que a história é contada é que muitos elementos realmente importantes para o enredo permanecem como uma enorme interrogação até o final do livro, onde tudo se encaixa mais do que perfeitamente. Ao mesmo tempo que você quer matar o autor por não contar tudo, você não consegue largar o livro. O autor espera o momento ideal para explicar cada detalhe, incluindo o procedimento detalhado de fragmentação.

Connor, o protagonista, descobre por acaso que seus pais o marcaram para a fragmentação. Assim, consegue escapar com alguns momentos de antecedência e, em um acontecimento louco em uma rodovia, acaba ajudando Risa e sequestrando Lev, que queria ser fragmentado. Connor é um garoto nervoso, que não pensa antes de agir e atende a todos os seus impulsos. Ele aprende que precisa ser mais calmo e pensar em vários cenários antes de tomar uma decisão e uma atitude.

Risa Ward é uma garota órfã que foi criada em uma Casa do Estado. Estava em um ônibus a caminho da fragmentação, depois de cometer alguns erros em um recital de piano clássico. Risa aprendeu muito durante sua vida, inclusive sobre a sobrevivência em meio ao perigo; não confia em ninguém, mas descobrirá que a vida é melhor quando você encontra alguém em quem confiar.

Lev, ou Levi Jedediah (sério), é um dízimo humano. Foi o décimo filho de uma família religiosa, sendo que todas as famílias religiosas são muito ricas, e também é o garoto prodígio. Foi criado para ser fragmentado a vida toda, guiado pela religião e pelos pais, sem nunca ter escolha quanto a isso ou ter uma vida normal. Passa por uma série de mudanças que você cogitaria realizar em si mesmo.

Cyrus, ou CyFy, é um menino gênio, filho umber trazido pela Cegonha, criado por dois pais sienas, que cruza o caminho de Lev. Pode não parecer, mas tem um papel incrível na história e, sozinho, apresenta reflexões sobre racismo, homofobia, almas e memórias. É meu personagem favorito e um dos favoritos do próprio autor. Não entendeu o umber e os sienas? Eu explico com um trecho que me encantou muito.

“– Costumavam chamar a gente de negros, dá pra imaginar? Daí veio esse cara, um artista (...) ele ficou famoso por pintar pessoas de ascendência africana lá nos estados do sul. O pigmento que ele mais usava era ‘umber’. As pessoas gostaram muito mais desse nome, daí pegou. (...) Logo depois, começaram a chamar as ditas pessoas brancas de “siena” por causa de outra cor de tinta. Palavras melhores. Não tinha nenhum julgamento de valor nelas.” p. 117-118

O Almirante é um personagem fascinante. Fazendo uma comparação cretina, é quase um Severo Snape. Comanda a operação e tem motivos muito interessantes para isso. Você também aprenderá muito com ele. Em um segundo você o odeia, no próximo você o ama. Roland, por outro lado, é o personagem que você odeia, odeia mais um pouco e, quando cansar, odeia de novo; um valentão inteligente que sempre procura uma forma de ganhar à custa dos outros.

O autor busca fatos do nosso mundo, como de um bebê ucraniano praticamente fragmentado, os cemitérios de aviões americanos e a venda de almas no e-bay para criar sua história. Até contos comuns aos americanos são utilizados. Tudo cria uma realidade muito interessante e muito boa para reflexões. Onde começa a vida? Para onde iria a alma de um fragmentado? Qual é o papel dos sentimentos nisso? E quanto à doação de órgãos, que é um procedimento completamente diferente? Aborto, racismo e religião?

Se você duvida da minha opinião sincera, basta perguntar aos pobres coitados que receberam áudios berrando às três, quatro ou cinco horas da manhã. Preciso de mais. Preciso de uma continuação. Muito. Estou quase mandando alguns e-mails ao autor para implorar por mais histórias a respeito, inclusive com algumas na minha cabeça.

(É sério. Quase tanto quanto quiseram me mandar calar a boca)

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