Asas do Desejo, Win Wendels



Após a Segunda Guerra Mundial, o continente europeu foi dividido não só por crenças políticas e conflitos econômico, mas também fisicamente por um muro construído, através de Berlim, pelos países comunistas sob as ordens e pressão de Moscou para manter os ideais do capitalismo fora da cidade e das mentes de seu povos. O muro permaneceu intacto até 1989, mas, durante este período de tempo, surgiu uma dramática e existencialista época cinematográfica que incitava as principais questões do momento: Onde eu pertenço? Que país que eu chamo de meu? Viver vale a pena?

“Asas do Desejo” usa a ideia de uma força onipotente que vigia o mundo desde o início dos tempos e registra as ações e pensamentos do homem; uma criatura surpreendente que conhece o mundo e seus maneirismos por completo, porém não conhece verdadeiramente a experiência humana dos sentidos, presos eternamente numa caixa isenta de estímulos. Para mostrar um grande contraste entre os mundos, os anjos são retratados em vestimentas pretas e suas vidas em preto e branco. Esta mesma amostragem preto e branco é usada para mostrar Berlim Oriental como um conjunto de pessoas que não estão realmente vivendo a vida, presos numa vivência sem estímulos extraordinários, tais como os anjos, em contraposição a Berlim Ocidental, representada em cores vibrantes. Nessa mescla de sentimentos, em meio aos sussurros dos pensamentos humanos que perseguem os anjos, Damiel, o protagonista, apaixona-se por uma trapezista de circo, porém, preso ao seu destino, Damiel não poderia consumar seu desejo, tendo que, para isso, revogar sua condição de anjo imortal para tornar-se humano.

Tão idílico como as vidas dos anjos são, é através da dor que os seres humanos sabem que estão plenamente vivos. E é isso que os anjos não possuem; para ver cores, tocar, provar, cheirar, a capacidade de amar e afetar a vida dos outros, eles precisariam experimentar as dores da alma humana. As crianças podem vê-los, mas os adultos, sentem, por vezes, apenas alguma presença vaga. A dicotomia das cores apresenta-nos a experiência humana e a dos anjos; uma vibrante e a outra cálida. Entretanto, o preto e branco também está presente na vivência humana quando está sem estímulos. A cor, portanto, é inerente à experimentação do mundo, à novidade, à curiosidade e tudo aquilo que possa trazer felicidade.

Um poema é lido durante todo o filme e amarra tudo junto, repetindo "Quando a criança era uma criança...", percebemos que os seres humanos são as crianças, os mais jovens do que os anjos, apenas vivendo para aprender. Através de voice-overs, onde os personagens não participam de um diálogo comum que um script convencional teria, o público experimenta a vida nesta cidade rasgada através dos pensamentos e sentimentos das pessoas que vivem lá. Os voice-overs abordam continuamente as questões complexas e intrigantes que todas as pessoas não poderiam questionar de forma audível, pois ninguém saberá a resposta real. As questões difíceis como saudade, futuros não planejados, ansiedade, solidão, entre outros, encheram (e enchem) os corações e mentes das pessoas de todo o mundo pós-Guerra, sobretudo os berlinenses. “Asas do Desejo” é um filme que leva o público a uma narrativa que é emocionante e induz o pensamento e a discussão de questões sociais do mundo. Belo, sutil, profundo e intenso, porém, devo concordar, não é um filme fácil de digerir e sua narrativa lenta e contemplativa quase não consegue espectadores nos dias atuais, mas, vencido os obstáculos, “Asas do Desejo” se torna uma experiência inesquecível.

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