Quatro Estações, Stephen King


Eu não sou exatamente um grande fã de Stephen King, diria que sou um admirador. Li muitos livros seus, alguns bons, outros nem tanto. Alguns me marcaram profundamente outros já esqueci que li, mas uma coisa eu sei: o homem sabe escrever! Escrever não só sobre terror, mas sobre a mente humana, sobre os pesares da alma e suas esperanças. Já venho há muito tempo considerando-o não um grande contador de histórias de terror, como seu marketing insiste em afirmar, mas como um grande contador de histórias.

Rita Hayworth e a Redenção de Shawshank é o material de origem do filme no topo da lista dos 250 melhores filmes de todos os tempos da IMDB e é uma joia incontestável da larga bibliografia do King. Possuindo uma narrativa fluída, cativante e, principalmente, convincente, esta novela é narrada por Red, um detento de Shawshank; um homem que não tem medo de afirmar o seu crime, mas a humildade de sua narrativa e seus pensamentos sobre a vida aproximam o leitor. A história que Red conta, entretanto, não é a sua, é a de Andy Dufresne e sua luta calada para manter a sanidade e seus sonhos vivos dentro da prisão de Shawshank. A maior parte da história é levada pela recusa de Andy a aceitar seu destino e sucumbir aos maus tratos nas mãos das “irmãs” ou dos guardas corruptos. Seus talentos de contabilidade, seu espírito de luta e seu comportamento honrado lentamente vai construindo uma amizade com Red e uma reputação entre os superiores. Andy raramente se explica, deixando Red codificando sua personalidade através de suas ações e revelações. Red, como muitos de nós, está se aproximando ou passando pela meia-idade, e tem ensinado a si mesmo, ao longo de décadas de prisão, a desistir de todos os sonhos e viver em um mundo dolorosamente real e cínico. Andy, no entanto, é uma centelha de esperança e otimismo que o desafia mesmo depois de tanto tempo na prisão. Enquanto somos carregados pelas especulações de Red sobre Andy, um desfecho surpreendentemente forma-se sobre as subcamadas da narrativa, tornando esta história um presente literário bastante raro.

Aluno Inteligente, que ilustra "O Verão da Corrupção", é sem dúvida a novela mais perturbadora no volume e uma das peças mais perturbadoras do King. Um perfeito menino americano de 13 anos descobre um ex-nazista vivendo em seu bairro escondendo-se sob um nome falso. Um dia, ele confronta o velho, que a princípio nega as alegações, mas acaba por reconhecer sua verdadeira identidade. Com medo de ser levado às autoridades pelo menino, ele concorda em satisfazer os questionamentos do garoto; conta sobre sua vida anterior e seus serviços nos campos de concentrações. Mas o menino não está interessado em levá-lo às autoridades e exige histórias mais e mais detalhadas, entusiasmando o homem a contar-lhe tudo.

A história traz à mente o tema nietzscheano do abismo. A citação é bem conhecida: "Se você olhar para o abismo tempo suficiente o abismo olha de volta para você". Mas e se o que haviam eram dois abismos opostos um ao outro? O que eles vêem um no outro? "Aluno Inteligente" é uma história sobre esses questionamentos. Dois abismos olhando um para o outro; dois sanguessugas sugando um ao outro. Considerando que a novela anterior era sobre a esperança e a força do espírito humano, este é sobre a decadência dele.

O Corpo é o conto do outono em "A queda de inocência". De todas as novelas reunidos neste volume, esta é provavelmente a mais cativante. Não é difícil imaginar um homem mais velho, sentado na varanda de sua casa sob o sol dourado de uma tarde, balançando em sua cadeira favorita e recordando as memórias de um verão longínquo; ele e seus três amigos indo ver um corpo morto na mata. Não muito longe de trabalhos de Ray Bradbury e Robert McCammon, "O Corpo" consegue captar o período da adolescência surpreendentemente bem em um pequeno número de páginas. King é excelente em escrever a partir de um ponto de vista adolescente; eu acredito que uma boa dose de um garoto de 12 anos ainda permanece nele. Mas ele é um adulto também, refletindo sobre sua infância e como a viagem mudou os meninos, suas vidas e impactado o seu futuro.

"O Corpo" é um pouco autobiográfico e realmente captura a essência da infância e o processo de amadurecimento na vida adulta. Eu gosto de pensar que desta novela surgiu a centelha que mais tarde se tornaria o romance sombrio, porém nostálgico, "A Coisa", que captura a infância quase perfeitamente.

O Método Respiratório é a última narrativa e está em "Inverno no Clube". Enquanto os três contos anteriores possuem uma sensação de literatura contemporânea, este é reminiscente de outros autores, muito mais velhos. Na verdade, não é muito longe do que Dickens poderia ter escrito quando ele estava no clima fantasmagórico, mas a comparação mais próxima que pode ser feito é o de Henry James e seu "A Volta do Parafuso". "O Método Respiratório" é uma história dentro de uma história. É o único conto do volume com um toque de sobrenatural e o único que poderia ser classificado (ainda que de forma muito ampla) como horror. Eu prefiro dizer que é mais gótico do que assustador - o que é mais gótico do que um grupo de homens idosos se reunindo ao redor de uma fogueira para contar contos sobrenaturais?

Na minha opinião, esta é uma das histórias mais subestimadas do King e a única jóia omitida nesta coleção. Fiquei surpreso ao ver como muitos leitores consideraram-no o mais fraco, enquanto eu não consigo escolher o conto mais forte neste volume, porque todos eles são fortes em diferentes maneiras. Este não é o pior deles e certamente merece a apreciação e reconhecimento que os anteriores recebem. É maravilhosamente atmosférico, mesmo não sendo propriamente assustador.

Não há nada ruim sobre esta peça, e se tivesse que indicar uma queixar eu só teria essa: gostaria que fosse mais longo. Eu gostaria de ler mais sobre a história do clube (um paraíso para os livros impossíveis, como os da Biblioteca dos Sonhos de Neil Gaiman no universo de "Sandman" ou os de Carlos Luis Zafón da "Biblioteca dos Livros Esquecidos" em Barcelona - um lugar onde os sonhadores e contadores de histórias se reúnem para passar o tempo em seu ambiente favorito), sobre os membros, sobre os quartos no andar de cima, mas, infelizmente, isso não vai acontecer, o que é melhor de certa maneira; o espírito humano civilizado não pode se livrar do sentimento do estranho, e "O Método Respiratório" fornece uma abundância dele e é um desfecho perfeito para este volume.

Em conclusão, "Quatro Estações" pode ter nascido como uma reflexão tardia do autor, reunindo obras menores do King entre seus grandes projetos comerciais, mas acabou por ser, para mim, um de seus livros mais honestos e talentosos, bom o suficiente para me convencer de que ele realmente é um escritor memorável.

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