As Intermitências da Morte, José Saramago





À última badalada do dia 31 de dezembro, tudo parece mudar. Pessoas que estavam à beira da morte parecem dar um novo suspiro em direção a uma nova vida, ou melhor, à imortalidade. No dia 1° de janeiro tudo é diferente. Cidadãos, jornalistas e até mesmo clérigos procuram uma explicação para o que estava acontecendo. Por onde a Morte está?
“O governo quer aproveitar esta oportunidade para informar a população de que prosseguem em ritmo acelerado os trabalhos de investigação que, assim o espera e confia, hão-de levar a um conhecimento satisfatório das causas, até este momento ainda misteriosas, do súbito desaparecimento da morte.”

Como poderíamos imaginar, esse acontecimento abala todas as estruturas da sociedade. De repente, gerações e mais gerações coexistiriam. Seguro de vida? Para quê? As seguradoras, na tentativa de não falir, oferecem novos planos. Todos tentam se adaptar a essa nova realidade, apesar do aparente caos. Até as fronteiras precisam ser repensadas, já que esse fenômeno afeta apenas aquele país e algumas famílias tentam levar seus familiares para morrer nos países vizinhos. Parece perturbador, certo?

Tudo muda quando um importante profissional ligado à mídia (“senhor director-geral da televisão nacional”) recebe uma carta de coloração estranha (violeta) e com uma caligrafia bem peculiar, que foi analisada como uma mistura de elementos de diversas culturas e origens ortográficas. Era uma carta da própria morte, explicando o que fez e dando as diretrizes para o que viria a seguir. Foi nela que percebi que todo o pandemônio que se instaurou no livro não durou tanto assim. Este profissional, assustado, entrega a carta para o primeiro-ministro e espera que a decisão seja tomada. Uma parte desta carta ficou bem gravada em mim.

“(...) Devo explicar que a intenção que me levou a interromper a minha actividade, a parar de matar, a embainhar a emblemática gadanha que imaginativos pintores e gravadores doutro tempo me puseram na mão, foi oferecer a esses seres humanos que tanto me detestam uma pequena amostra do que para eles seria viver sempre, isto é, eternamente (...)”

O enredo passa por três fases principais e as consequências, para todos, de cada uma delas. O final desta obra teve em mim aquele efeito de “Hã? É sério isso?” que adoro nos livros. É diferente de tudo o que se imagina ao longo da história, é surreal, inimaginável e bem estranho, pra falar a verdade.

Acredito que o ponto importante de reflexão seja pura e simplesmente o ciclo da vida, a importância da morte e quais seriam as consequências de um mundo sem ela. Parece uma boa leitura para aqueles que perderam alguém querido e estão presos em uma teia de “porquês”. Na verdade, isso foi o que mais tocou em mim, mas Saramago fez diversas críticas sociais nesta obra, com as reações de cada parte da sociedade com o que se sucedia, inclusive hospitais, famílias comuns e a máfia.

Outro ponto a comentar sobre a obra é a quantidade de referências diversas espalhadas pelas páginas. Tenho certeza de que não fui (e não serei) capaz de reconhecer todas elas, mas algumas são bem claras, como referências a músicas e artistas, além de certos pontos que parecem desconexos, mas fazem muito sentido, incluindo até filmes do 007.

A escrita é típica de Saramago, com personagens sem nome, ausência de separação nos diálogos, parágrafos de quatro páginas e ortografia de Portugal, que, a pedido do autor, não é alterada para a ortografia vigente no Brasil. Como eu costumo dizer, infelizmente, alguns leitores não se habituam ao modo de escrita do autor. Entendo que seja um pouco complicado e desestimulante no início e também passei por isso, mas a conteúdo e a fluidez da história realmente valem o esforço e, em pouco tempo, você se acostuma.

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