Na Natureza Selvagem, Jon Krakauer



Cabe um espaço para uma pequena análise já na introdução da resenha? Não? Ok. Não importa, vai assim mesmo: quando uma pessoa para pra refletir sobre a sociedade em que vivemos, nos modelos em que ela se funda, no estilo de vida que levamos e percebe a gravidade da situação, em geral ela pode ter duas reações. São elas:

   1) Ser tomado por uma esperança transformadora e tentar propor algo diferente: uma mudança de paradigma quanto ao modo como nos organizamos socialmente, no modo como nos relacionamos. (Credo, que papo... Quero dizer que é a pessoa que conclui que a coisa toda está errada e tenta mudar, melhorar de alguma forma).

   2) Ou então pode parecer mais viável simplesmente ejetar-se do convívio social, viver no mato e não compactuar com o bando de coisas erradas que enxerga na sociedade.

É claro que a questão é muito mais profunda do que isso, há inúmeras outras variáveis e outros motivos envolvidos que levam pessoas a apertar o botãozinho vermelho de eject, colocar uma mochila nas costas e se propor a viver na natureza selvagem. Mas é disso que o livro trata, com base na história de Chris McCandless, um jovem que tinha ideais muito fortes e resolveu dar um rumo à sua vida longe da habitual.

O livro é escrito por Jon Krakauer, o jornalista que publicou uma reportagem inteira dedicada ao caso de Chris McCandless, quando o corpo deste foi encontrado sem vida em um trailer há muito abandonado no meio do Alasca. Neste mesmo trailer, que já tinha servido de abrigo para outros aventureiros e caçadores, várias mensagens foram deixadas grafadas nas paredes. Dentre elas, destaca-se uma das últimas escritas por Chris antes de morrer, e que nos diz muito sobre suas ideologias:
"Dois anos ele caminha pela terra. Sem telefone, sem piscina, sem animal de estimação, sem cigarros. Liberdade definitiva. Um extremista. Um viajante definitivo cujo lar é a estrada. Fugido de Atlanta, não retornarás, porque 'o Oeste é o melhor'. E agora depois de dois anos errantes chega à última e maior aventura. A batalha final para matar o ser falso interior e concluir vitoriosamente a revolução espiritual. Dez dias e noites de trens de carga e pegando carona trazem-no ao grande e branco Norte. Para não mais ser envenenado pela civilização, ele foge e caminha sozinho sobre a terra para perder-se na natureza."
Alexander Supertramp
Maio de 1992
Extremamente interessado pelo caso de Chris, Jon o investigou durante muito tempo, conversou com todos que o conheceram em sua jornada ─ provavelmente dando carona para aquele jovem simpático ou lhe oferecendo ajuda de alguma forma, cativados. Entrevistou seus pais, irmãos e amigos. Analisou os bens que foram encontrados com o corpo de Chris, seus diários, as anotações que fez em seus livros de Thoreau, Tolstoi, Jack London e tantas outras aspirações literárias que teve e levou consigo em sua "viagem definitiva". Teve acesso a todos os cartões postais e cartas que enviou aos amigos que fez durante a caminhada. Tentou, de toda maneira que pôde, refazer os passos de Chris e entender o que se passava na cabeça daquele jovem, o que o fez sumir por dois anos, mudar de nome e querer "perder-se na natureza", aparentemente sem nenhum temor da morte.

Em Na Natureza Selvagem, está o resultado de toda essa investigação. Num misto de biografia, ficção (apenas pela forma como é contada; nada no livro é fictício) e relato de seu trabalho, Jon remonta a jornada de Chris, fala de suas relações conturbadas com os pais, todos os seus dramas, sua relação com os livros, com a universidade, com a sociedade de um modo geral. Faz comparações com outros diversos casos de pessoas que tomaram a mesma decisão de viver uma vida na estrada, na natureza. Possui ainda alguma profundidade no estudo psicológico de tudo o que levou Chris a tomar suas decisões, e conta até algumas experiências pessoais do próprio autor.

O livro é uma autópsia completa do caso de Chris McCandless, o americano cheio de ideologias que jogou pro alto todas as convenções de uma vida em sociedade e preferiu "se isolar". A narrativa do autor é profunda e, ao mesmo tempo, gostosa de ser lida. Indiretamente nos remete a reflexões a todo momento, sobre diversos aspectos da nossa vida, tanto para nós mesmos quanto em sociedade.

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