Meninas Malvadas e a Psicologia da Maldade



Em 1968 o professor americano de Stanford, Philip Zimbardo, conduziu uma experiência que é, até hoje, um dos maiores expoentes em matéria de análise comportamental: o experimento da prisão de Stanford. Resumidamente o estudo consiste em: 18 estudantes divididos igualmente em prisioneiros e guardas, recebendo um pagamento modesto pela participação, estimado em US$ 75 em valores atuais. Os prisioneiros eram obrigados a obedecer a qualquer ordem dos guardas, estando o descumprimento sujeito a banimento do experimento e não pagamento do valor acordado. Essa experiência, programada para durar 15 dias, precisou ser interrompida uma semana antes do previsto.

Estando no controle total da situação, os guardas imediatamente passaram a agir como sádicos: gritavam ordens e humilhavam os prisioneiros em todo momento, chegando inclusive a ordenar aos prisioneiros que lavassem as privadas com as mãos. Caso o experimento tivesse continuado e as posições se invertido, poderíamos esperar um comportamento muito pior dos, até então, prisioneiros. A conclusão do estudo pelo psicólogo embasa a maldade humana em 3 itens que analisaremos logo logo.

Meninas Malvadas (Mean Girls, no original) é um filme longe de ser comédia bobinha. É comédia, mas dependendo do que se pretende ao assistir, pode ser muito mais. É, em resumo, a historia clássica do ensino médio e a escola dividida em panelinhas. E o experimento de Zimbardo tem muito a ver com isso, tanto o filme como o ensino médio na vida real.

1) Desumanização da vítima – no experimento, os prisioneiros eram nomeados através de números. Os guardas não sabiam seus nomes e nem se importavam em aprender. Se você joga uma cadeira por uma janela, não se sente mal por isso. Se você quebra algo em um acesso de fúria, também não. Aliás, você se sente aliviado por estar descontando em um objeto sua frustração com o que quer que seja. E começa aí o problema: em Stanford, os prisioneiros, por serem tratados como números, foram assim, isolados de suas identidades como pessoas. Não era o John ou a Kathy que deveriam limpar o sanitário com as mãos, eram o 16 ou o 31. Os guardas, por estarem lidando com entidades não humanas, números apenas, não se sentiam mal por isso. Paralelamente, no filme Regina não se sente mal em agredir verbal e socialmente as outras meninas, porque ela simplesmente não as vê como iguais. Em um certo momento, ela elogia a saia de uma e, no mesmo momento, fala mal da mesma para Cady. Regina foi má? Foi, provavelmente. Regina se viu como má? Não. Por que? Porque ela não falou mal de alguém. Ela, inconscientemente, transformou a pessoa em um objeto (uma saia) e, em seguida, tratou mal o objeto. E tudo bem nisso, para ela. Assim como quando Cady assume a culpa pelo Burn Book: toda a escola passa a vê-la como o livro. Ela é destituída de ser uma garota para ser o livro. Há aí a desumanização de Cady, abrindo espaço para o tratamento vil que pode ser aplicado a um objeto sem limites.

2) Justificativa moral – quando sob um mesmo código de conduta, as pessoas tendem a usá-lo como justificativa até para o que ele não justifica. Em Stanford, os guardas agrediram os prisioneiros porque eles eram prisioneiros. Sim, apenas isso. Vivemos em uma conjuntura social onde um prisioneiro é alguém que fez algo errado e deve ser punido a todo custo. O número 11 merece levar um borrifo do extintor no rosto porque ele é um prisioneiro. Ele merece ser punido. Apenas isso. Ok, mas o que ele fez? Isso, meus caros, é o de menos. Ele deve ser punido e é tudo o que você quer e precisa saber. Em Meninas Malvadas, Cady não é aluna da escola há tanto tempo quanto as outras meninas. Aliás, ela não era aluna de escola alguma. Ela chega da África com uma vida que muitas gostariam de ter e torna-se o centro das atenções; esse comportamento exibicionista é inadequado e deve ser combatido. Entende o paradoxo? Mesmo os exibicionistas, nesse caso Regina e suas amigas, usam o preceito de que o exibicionismo é prejudicial e deve ser punido, para justificar suas ações contra Cady. Em uma extensão da análise, no famoso caso da Uniban e do vestido curto de Geisy Arruda, um dos vídeos mostrando as agressões mostra uma menina dizendo “olha, ela tá chorando” enquanto outra replica “dane-se”. E ambas se arrumaram bem para ir a faculdade. Vale ressaltar que, voltando ao exemplo do filme, as outras meninas da escola também gostariam de punir Regina, Gretchen e Karen, mas não têm como pois lhes falta o terceiro elemento:

3) Efeito manada – “Joga pedra na Geni! Ela é feita pra apanhar, ela é boa de cuspir!” Se todos cuspirem, você também cuspirá. Sim, vai sim. Principalmente se esse seu comportamento trouxer a aprovação das pessoas ao seu redor. No experimento de Zimbardo, tudo o que foi necessário foi o primeiro guarda ser rude. “Se ele pode, eu também posso, afinal, somos iguais” pode ter pensado o segundo guarda. Pensamento esse que pode ter sido repetido pelo terceiro e está formado o efeito. Basta estar todo mundo fazendo, para que qualquer um também o faça. No filme, ao hostilizar Cady pelo Burn Book, as meninas da escola estariam ganhando a aprovação de quem fez primeiro. Seriam aceitas como uma igual. E todas na escola queriam ser uma “igual” de Regina George. É o intuito principal do efeito manada: se você o constitui, você ganha a aprovação. Sendo você um inferior, prisioneiro de Stanford ou membro dos nerds, e o iniciante do movimento um superior, guarda ou Regina, você está agora apto a se elevar ao nível deles. E isso é uma recompensa inestimável para um inferior, nos dois casos: receber de volta a condição que deveria ter tido desde sempre.

A coisa é, obviamente, muito mais complexa que isso. Mas basta analisar um comportamento vil para perceber esses três constituintes nele. Não são as únicas causas, mas são algumas delas. E a hostilidade contida nos guardas ou no Burn Book não são específicas deles ou de quem joga pedra na Geni. Ela está em todos nós. Ela está em você também. E pode ser observada por si mesmo, até em um simples “você não pode sentar com a gente”.

(O estudo citado foi publicado no livro ‘O Efeito Lúcifer – como pessoas boas se tornam más’, publicado em portugês no Brasil em 2014.)

2 comentários:

  1. Então, não sei se conhece, provavelmente sim, mas existem alguns filmes que tratam desses casos. O primeiro é um que fala justamente sobre esse estudo na universidade, chama A Esperiência, os guardas e os prisioneiros, e tal, particularmente achei um filme muito bom.
    Tem também A Onda, que talvez seja meio clássico, entretanto não deixa de me encantar toda vez que eu assisto (ok, encantar talvez não seja a palavra aqui), sei que pode ser bem besta, mas gosto desse tipo de filme.
    Ambos retratam bem o que esse estudo quer falar.

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