A Hora da Estrela, de Clarice Lispector



“Como começar pelo início, se as coisas acontecem antes de acontecer?”
Confesso que estou há alguns dias pensando em como resenhar a história de Macabéa e, sem querer, encontro-me no mesmo dilema que Rodrigo S.M., o misterioso escritor e narrador da história. A Hora da Estrela é um livro infinito de apenas 87 páginas, discute sobre ser e não ser, existir e não existir, viver e morrer. Diante de tamanha grandeza e conflitantes questões, eu me encontrei parado, sem saber muito bem o que pensar.

Ok, então vamos começar pelo início. A história trata-se da personagem Macabéa (ou pelo menos devia ser), mas ela não tinha muita história para ser contada, então no meio desse quase nada, temos uma profusão de questionamentos existencialistas do narrador. Quem é Macabéa? Ora, Macabéa são muitas pessoas, há tantas Macabéas que você nem conseguiria dar conta, mas nessa história falamos de uma garota (chamada Macabéa) que existe. Sim, ela só existe, e também não faz muitas perguntas. Para ela, se uma coisa é de tal forma, então é porque é mesmo e acabou. É uma garota que sobrevive, mas não vive, que existe, mas só é visível para seus iguais (para as outras Macabéas). É como um sopro de vida, você quase não a percebe. Bom, e quem é o narrador Rodrigo S.M.? Para responder essa pergunta, acho melhor mudarmos de parágrafo.
“Se tivesse a tolice de se perguntar ‘quem sou eu?’ cairia estatelada e em cheio no chão. É que ‘quem sou eu?’ provoca necessidade. E como satisfazer a necessidade? Quem se indaga é incompleto."
Rodrigo S.M. é o escritor do livro escrito por Clarice, mas que não é seu pseudônimo, afinal todos sabemos que A Hora da Estrela foi escrito por ela, que também foi escrito por Rodrigo. Macabéa não o conhece, mas Rodrigo S.M. a enxergou no meio da multidão (seria Rodrigo uma Macabéa?) e, fascinado com esse sopro de vida absolutamente sem graça, decidiu escrever sobre ela. Entretanto, é complicado escrever sobre alguém sem atrativos físicos, que não fala muito, que não pergunta muito e que só sabe que existe. Você deve estar se perguntando: “A Hora da Estrela? Mas onde está a estrela desse livro?” e eu lhe digo que nesse livro não há personagens cativantes, nem romances explosivos ou aventuras de tirar o fôlego. Mas Rodrigo, sabe-se lá porquê, viu algo em Macabéa que precisava ser escrito. E, sem perceber, Rodrigo acaba contando também a sua própria história.

A escrita do livro é uma joia rara, mais poesia do que prosa. É um livro sem fim, pois sua história nunca acaba, é repetida todos os dias pelos mais variados Rodrigos e Macabéas. É, também, obra distinta da carreira de Lispector, conhecida por suas epifanias e existencialismos quase alheios à realidade ao redor. Aqui seu olhar foi para a rua e parou na vida que muitos vivem, e, como Macabéa, só sabem que vivem, mas não sabem que sabem.
"É melhor eu não falar em felicidade ou infelicidade – provoca aquela saudade demasiada e lilás, aquele perfume de violeta, as águas geladas da maré mansa em espumas pela areia. Eu não quero provocar porque dói."
A Hora da Estrela é um relato peculiar de duas vidas distintas, mas muito próximas. É um relato de pena, mas também de afeto. Enquanto um se contenta apenas em existir, o outro vê em sua própria existência um mal que o persegue. Assim eles se completam. E no final? Bom, há um ditado popular que diz que o fim é a morte. Estranhamente, mas de forma muito verdadeira, a morte é o único momento em que os invisíveis são vistos por todos. Talvez seja porque a morte é universal e quase sempre é chocante. Macabéa não subiu no palco da vida, ela ficou sentada nas escadas. Sua morte foi o único ato de uma vida não vivida, mas foi um ato que todos pararam para assistir. Era seu momento, sua hora. A hora da estrela.

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