Sentidos do amor, David Mackenzie


Dirigido por David Mackenzie, “Sentidos do amor” é um filme de uma densidade quase obscena. A história que sustenta a trama poderia ser acusada de plágio de “Ensaio sobre a cegueira” se não fosse a forma incomum como a perda dos sentidos acontece. O contexto do filme é aparentemente simples, mas as minucias vão aparecendo na medida em que a história se desenrola e se torna cada vez mais complexa. 

Susan é uma epidemiologista com um certo grau de cinismo quanto ao amor. Ela é encarnada pela atriz Eva Green e só essa informação já deveria ser o bastante para motivar uma conferida neste filme. A personagem, com um passado sofrido e uma personalidade quase amarga, recebe a notícia de uma suposta doença que está se espalhando, e neste meio tempo conhece o chefe de cozinha Michael (Ewan McGregor) e vive uma noite frustrante que termina em cigarros e despedidas frias. 

A doença que se espalha faz com que as pessoas percam a capacidade de sentir cheiros, absolutamente qualquer cheiro, como se o sentido do olfato tivesse sido desligado. Após diversas tentativas fracassadas de encontrar uma cura, a humanidade acostuma-se com o sentido ausente, e é aqui que a história fica mais distinta do “Ensaio sobre a cegueira”, passando a viver perfeitamente bem com um sentido a menos. Alguns ajustes na comida (para acentuar o sabor) se fazem necessários, alguns hábitos de higiene são abandonados, mas, no fim das contas, o cotidiano permanece o mesmo. 

A trama ganha um novo horizonte quando um segundo grupo começa a perder outro dos sentidos. Vale lembrar que a perda dos sentidos é antecedida por um forte sentimento: quando o olfato foi perdido, o sentimento que o antecedeu foi de uma profunda melancolia e remorso, o sentimento de culpa, parar dar um só nome. Quando o paladar (o segundo sentido a ser perdido) começa a faltar, o sentimento da falta o antecede, todos são acometidos por uma fome terrível, que é saciada das formas mais bizarras. 

Nesse interim, os personagens se descobrem num relacionamento improvável, mas sem qualquer clichê envolvido. Eles são ácidos e sinceros e a perda dos sentidos parece aproxima-los cada vez mais. O casal, assim como o resto da humanidade, pensa que a doença chegou ao fim, afinal, são o paladar e o olfato os sentidos químicos e novamente o mundo se ajusta à ausência de outro sentido. 

As coisas começam a ficar realmente tensas quando a perda da audição, antecedida de uma fúria violenta, começa a se espalhar. Todos se perguntam se em breve ninguém terá mais nenhum dos sentidos, se perguntam como viver sem eles, como se comunicar... 

Não contarei o final do filme, mas adianto que a surpresa se dá justamente por não forçar uma reviravolta absurda. Os momentos finais são sensíveis e a atuação dos personagens principais é genial.

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