Cartas de um diabo a seu aprendiz, C. S. Lewis




As cartas escritas por Lewis e dedicadas ao seu amigo J. R. R. Tolkien são pequenas pérolas da literatura moral e, ao mesmo tempo, são um tratado de recurso retórico e analogias refinadas. Lewis tem um propósito muito claro neste texto: ele pretende fazer uso da retórica e de analogias para explicar ao grande público as questões morais mais práticas do cristianismo mais puro e mais simples. Os personagens mais importantes são Fitafuso, o professor, o diabo experiente que sabe os caminhos mais sórdidos para o coração do homem, e seu sobrinho Vermebile, o aluno, o discípulo, o diabo menor que está em fase de aprendizado.

A estrutura da obra é por si só divertida e envolvente, mas, ao avançar nas camadas do texto, a narrativa fica ainda mais interessante. Lewis, apesar de ter sido um homem inocente e ao mesmo tempo extremamente moralista, era um profundo conhecedor da natureza humana e da nossa psicologia mais básica. O autor foi capaz de identificar os elementos mais interessantes de auto justificação que sempre usamos para nos confortar internamente quando cometemos algo que sabidamente é um delito ou uma transgressão moral.

Os exemplos são vários. Fitafuso chega a recomendar a Vermebile que incentive o humano que está tentando que faça obras de caridade, para que assim se sinta livre de outras responsabilidades ainda mais importantes. São várias as vítimas dos demônios, cada uma delas tem seu contexto social e familiar, e Fitafuso, como experiente na arte de infernizar as mentes e converte-las para a maldade, sempre enxerga o aspecto aparentemente mais simplório, de modo a explorar especialmente as vaidades e o constante desejo que todos temos de nos promover.

Vejamos um dos exemplos de desvio moral (consideremos a ótica cristã verdadeira, pelo menos por um instante) e de esperteza por parte do aprendiz, que agora já possui algumas características do tio.

“Querido Vermibile, Fiquei muito feliz quando Rancatranco me contou que seu paciente fez novas amizades, bastante desejáveis, e que você parece ter-se aproveitado da situação de modo bastante favorável. [...] o casal de meia-idade que ligou para o escritório dele é exatamente o tipo de gente que desejamos que ele conheça – ricos, inteligentes, superficialmente intelectuais e extremamente céticos quanto a tudo no mundo. [...] um pouco pacifistas, não por motivos morais, e sim [...] devido a uma pitada de comunismo puramente literário, “que está na moda”. Tudo isso é muito bom. [...] Afetuosamente, seu tio, Fitafuso.”

A tentação terá como tema a luxúria, a inveja pelas características intelectuais, o desprezo pelos que não conhecem os mesmos assuntos que o “paciente”, entre diversos outros assuntos. Em suma, é uma obra extremamente moralizante, porém, tão repleta de poesia literária e sutileza textual que quase convence aqueles que não compartilham da moral cristã a voltar-se humildemente para ela. Lewis é um representante do cristianismo mais refinado e ao mesmo tempo mais inocente, pois ele tem todos os recursos retóricos a sua disposição, podendo, assim, fazer uso das alegorias mais elegantes possíveis, porém, sua inocência e adesão ao intuito cristão de suprimir os desejos e pulsões sexuais mais elementares do animal humano acabam por torna-lo menos interessante do que poderia ser.

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