Sombra do Paraíso, Goyer e Cassult



Há pouco mais de dois anos, li o clássico romance de ficção científica “Encontro com Rama”, do Arthur C. Clarke, e começo falando dele, pois "Sombra do Paraíso" é, de muitas formas, uma atualização moderna do clássico e tenta marcar um novo caminho para conceitos científicos que não eram tão familiares durante a época de Clarke. “Sombra do Paraíso” se apresenta com duas naves espaciais concorrentes, uma dos EUA e outra da aliança BRICS, brigando para interceptar um objeto de natureza desconhecida aproximando-se da Terra, divertidamente apelidado Keanu (sim, de Keanu Reaves por ter interpretado Neo em "Matrix"). É claro, torna-se óbvio que Keanu não é bem o que parece ser; não é um asteroide simples, mas sim uma estação enviada por entidades alienígenas misteriosas. Logo de cara, “Sombra do Paraíso” deve algo a “Encontro com Rama”. Keanu, o objeto sombrio do romance, teria sido encontrado pelo programa Spaceguard. O programa Spaceguard, fundado em 1992, é inspirado pela organização de mesmo nome na história de Clarke. E ambos os romances iniciam com a mesma problemática: interceptar um objeto desconhecido que logo se mostra uma estação alienígena sombria.

Ao contrário de “Encontro com Rama”, “Sombra do Paraíso” não conseguiu obter êxito em suas propostas. O primeiro problema, em comparação com a novela de Clarke, está na superficialidade dos questionamentos sócio-políticos e filosóficos (o que, particularmente, considero um crime na ficção científica) e o segundo, não ligado mais ao gênero, é a narrativa pouco fluida e falha, mesmo escrita de maneira profissional e bem editada. Há quem discordará, normal, mas é impossível não observar o alto número de situações superficiais (vulgo: encheção de linguíça) dentro do enredo. Situações que não contribuem para o aprofundamento psicológico de personagens nem para o desenrolar de problemáticas. Além de tudo, a abordagem política beira ao caricato. Para começar, o protagonista dessa história está imerso em ideais americanos: branco, religioso, profissional impecável e esperto, pai responsável e preocupado. Achou clichê? Ele basicamente não tem defeitos, por isso não é difícil imaginar quais elementos manipulariam a narrativa. O velho e obsoleto imperialismo americano da Guerra-Fria se mostra bastante presente numa obra publicada em 2012. Apesar de estarmos conscientes até de uma suposta superioridade tecnológica dos países do BRICS, o enredo, no entanto, centraliza a NASA como fonte de informação primordial. Fonte também de muitas situações que não chegam a lugar algum no enredo.

Eu realmente não me conectei com qualquer personagem na história. Apesar de ser o protagonista do romance, Zack permaneceu um personagem difícil de entender. Enquanto ele parece adepto a tomar decisões ao longo do romance, a sua vontade de abandonar as relações pessoais importantes, particularmente com sua namorada e filha, parecia um pouco estranho. De fato, muitos dos personagens secundários tiveram relações mais interessantes. Eu gostei bastante do tempestuoso Harley Drake, cujas atitudes no-sense e personalidade forte pareceram mais reais e críveis para mim do que o confuso Zack.

Há algo de errado em como as informações importantes são passadas ao leitor. A maioria delas é dita através de diálogos com tons casuais, como se a informação não fosse, de fato, importante. Por outro lado, Goyer e Cassutt conseguem transmitir alguns cenários inspiradores e verdadeiramente maravilhosos, tanto da vista do espaço quanto do interior bizarro de Keanu. Os momentos em que Keanu é descrita são fantásticos e são os momentos onde a narrativa verdadeiramente brilha.

O ritmo de "Sombra do Paraíso" nunca é muito bom e isso piora conforme o romance progride. O terço final se arrasta com pouco progresso e quase não há respostas às questões colocadas no início. O final do romance é, digamos, intrigante, levantando muito mais perguntas do que trazendo respostas. Felizmente, este é o primeiro de uma trilogia.

No final, "Sombra do Paraíso" é uma leitura que tenta ser promissora, mas acaba sendo decepcionante. A caracterização é, de fato, um grande problema ao longo do romance, porém o sentimento de admiração e a natureza fantástica do interior do Keanu compensam um pouco. Comparações com “Encontro com Rama” são inevitáveis, mas há grandes discrepâncias que diferenciam ambos. Por enquanto, diria que, muito provavelmente, “Sombra do Paraíso” não entrará para nenhuma lista de melhores romances da ficção científica, pois já nasceu obsoleto e sem nenhuma inovação. Ainda é cedo para julgar a trilogia, mas será necessária uma grande reviravolta para mudar o rumo já fadado que foi apresentado em seu primeiro volume.

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2 comentários:

  1. Muito boa essa resenha! Foi bem sincera e esclarecedora.
    Estou procurando um livro nesse gênero, porém, como faz muito tempo que não nada desse tipo, vou passar esse e procurar algo que tenha certeza que irei aproveitar.
    SUA ESTANTE
    Gatita&Cia.

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    Respostas
    1. Oi, Tati, obrigado pelo comentário!
      Olha, eu lhe recomendo 3 livros do Arthur C. Clarke:

      1) Encontro com Rama
      Clássico absoluto.

      2) O Fim da Infância
      O meu preferido dele.

      3) As Fontes do Paraíso
      Ainda não li, mas já está rolando bons comentários sobre entre o pessoal do Horrorshow.

      Espero que goste. Abraço!

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