Imagens, cores e onomatopeia: entrando no universo das HQs


Há muito que quadrinhos deixaram de ser sinônimos de histórias de heróis com capa e cueca por cima da calça para crianças. Embora para o senso-comum ainda o seja (meu pai que o diga), os quadrinhos evoluíram e elevaram-se à altura da literatura, sendo respeitados, hoje em dia, pelos maiores escritores. Apesar dessa notória evolução e amadurecimento, as histórias de heróis também merecem ser lidas, seja por simples hobby ou como uma fuga.

Apesar de tudo, iniciar nesse universo pode ser um pouco difícil para algumas pessoas, visto que as histórias nos quadrinhos, principalmente considerando as editoras Marvel e DC, existem muito antes da nossa existência, e continuarão existindo para muito depois, sempre sendo reescritas, refeitas, remodeladas, algumas sendo apagadas e desconsideradas, para que algo novo entre. Tendo isso em mente, resolvi escrever um texto para ajudar aqueles leitores que desejam adentrar nesse mundo que mistura as palavras, imagens e cores, e que é tida por alguns como a 9ª arte.

Não sou especialista no assunto, nem de longe li o tanto de quadrinhos que gostaria, mas vou citar métodos que eu próprio usei para ler tais histórias sem me perder tanto em cronologias alternativas.

SOBRE FANTASIAS E SUPER-PODERES

Antes de mais nada, devemos considerar as histórias em quadrinhos (abreviadas para "HQs") como uma forma de fazer arte. Diferente da literatura, onde você lê e dá liberdade para o seu cérebro imaginar as coisas, as situações, os cenários -- sempre tendo um mínimo de coerência com a história apresentada --, os quadrinhos fazem isso por ti. Naquelas imagens terá a visão do desenhista e, em alguns casos, do autor sobre o que é escrito.

Para quem não tem nenhum conhecimento nesse forma de contar histórias, não é recomendável começar por histórias complexas e mais autorais, pois geralmente o autor desenvolve os quadros com mais liberdade, e muitos acabam procurando inovar na disposição das coisas na folha, criando uma verdadeira amálgama de ideias e que podem soar estranhas para um iniciante.

Por esse motivo as histórias de heróis são importantes. Além de serem boas histórias sobre uma vida alternativa, com o tempo, elas nos ajudam a criar uma maior percepção sobre o que vemos. Ou seja, para quem está começando, uma boa dose de Batman, Homem-Aranha, Capitão América, Superman e X-Men cai muito bem. O importante é, para que você não se perca, escolher arcos fechados. Já a escolha do super-herói é sua. Se optar por X-Men, uma história curta e indispensável é Dias de Um Futuro Esquecido (que foi adaptada para o cinema em 2014). Se quiser ler Batman, não há nada melhor que Ano Um, que foi um reboot do herói escrito por Frank Miller, e A Piada Mortal, uma icônica história escrita por Alan Moore e que é focada no Coringa. Se quiser ir mais além e ler sobre os grandes grupos, uma boa recomendação é Os Supremos, que é uma releitura dos Vingadores pelo aclamado roteirista Mark Millar; outra boa é Justiça, uma importante história da Liga, escrita por Jim Krueger e desenhada pelo famoso Alex Ross.

Para não ficar maçante, vou deixar aqui algumas indicações:
(É útil informar que as histórias aqui citadas são tidas como obras-primas dentro do próprio gênero de super-heróis)

Os Supremos (Mark Millar)
Batman - Ano Um (Frank Miller) 
Batman - O Cavaleiro das Trevas (Frank Miller)
Surpreendentes X-Men (Joss Whedon)
Homem Aranha: A morte de Jean DeWolff (Peter David)
Surfista Prateado: Parábola (Stan Lee)
Reino do Amanhã (Mark Waid e Alex Ross)
Marvels (Kurt Busiek e Alex Ross)
Grandes Astros Superman (Grant Morrison)
Batman - O Longo Dia das Bruxas (Jeph Loeb)

ALÉM DOS SUPER-PODERES

É agora que a situação fica mais complicada. Ler tais histórias que citarei nesse tópico exige uma certa bagagem do leitor, caso contrário poderá ocorrer uma queda no aproveitamento da obra. Mas antes de mais nada, vou falar sobre o contexto em que esse tipo de história surgiu.

Meados da década de 80. Enquanto alguns heróis fazem muito sucesso, outros estão à beira de terem suas séries canceladas. Um deles é o Monstro do Pântano. Tendo isso em mente, e sem muito a perder, alguns editores da DC resolveram conceder o personagem ao até então iniciante Alan Moore, escritor inglês que já se mostrara promissor na terra da Rainha. Moore aceitou a tarefa, mas pediu total liberdade para escrever. Tal liberdade foi concecida a ele, e o que houve a seguir foi uma completa revolução. Ele inovou o personagem e a história, causando um grande alvoroço no meio do entretenimento e mandou um simples recado: os quadrinhos podem ir além. Nessa mesma época surgiram histórias como Watchmen e Sandman, ambas sendo releituras de heróis antigos com direito a muita liberdade criativa. Essas histórias esquentaram o mercado de quadrinhos, e despertaram o interesse do público adulto para a arte. Assim, a DC viu-se na responsabilidade de criar um selo adulto, e o fez na década de 90. Sua principal aposta eram atores estrangeiros (Alan Moore e Neil Gaiman da Inglaterra, Grant Morrison da Escócia e Garth Ennis da Irlanda do Norte), que na época estavam começando, e o resultado foram obras espetaculares.

Ler obras como Sandman e Watchmen dependem de uma experiência do leitor. Veja bem, não é impossível. Apenas não é aconselhado. Na literatura, seria como dar Os Irmãos Karamázov para alguém que começou a ler semana passada. De qualquer jeito, sintam-se livres para apreciar essas histórias, com conteúdos densos, muitas vezes filosóficos e que mostraram que esse tipo de arte, assim como qualquer outro, pode produzir obras incríveis. Obras como Hellblazer, Os Invisíveis, Preacher e Sandman são altamente recomendáveis e foram o pontapé inicial para a criação de histórias maduras.

Recomendações:

Sandman, Orquídea Negra, Dias da Meia-Noite, Os Livros da Magia (Neil Gaiman)
Watchmen, A Saga do Monstro do Pântano, V de Vingança (Alan Moore)
Os Invisíveis (Grant Morrison)
Sin City, Os 300 de Esparta (Frank Miller)
Kick-Ass (Mark Millar)
Preacher, Hellblazer (Garth Ennis)

ALÉM DAS AMARRAS COMERCIAIS

Depois de muito tempo, cheguei na parte em que mais desejava: falar sobre os quadrinhos independentes. Esses são, de certa forma, uma resistência ao padronismo criado pelo mercado, que, implicitamente, define formas e medidas para se contar uma história. Claro, isso não é uma regra, mas que tem gerado boas histórias, ah, tem!

Se tratando de quadrinhos autorais, é mais fácil falar sobre o autor em si do que as obras. Assim sendo, para você que deseja boas histórias em quadrinhos, mas que não deseja ler sobre super-heróis, a leitura de autores como Will Eisner, Joe Sacco, Marjane Satrapi e Craig Thompson se faz essencial. Essas são histórias muito profundas, e, coincidentemente, parece que cada um desses autores fez uma autobiografia em quadrinhos sua. Mas não só isso. Os escritores falam de temas da vida, como amor, sofrimento e morte, na maioria das vezes.

Persépolis é a história de Marjane Satrapi, na qual ela conta as mudanças da sua vida devido à revolução iraniana. Retalhos é a história de Craig Thompson e os detalhes de seu crescimento. As histórias de Joe Sacco possuem uma grande pegada jornalística, visto que ele é um, e retratam os sofrimentos que ocorreram e ocorrem ainda hoje no Oriente Médio. Maus, de Art Spiegelman, é a história do seu pai, um judeu, que sobreviveu a um campo de concentração alemão. Esses são apenas alguns exemplos do que é possível encontrar no meio dos quadrinhos independentes. Existem obras mais alegres, que contêm uma história de aventura, como Scott Pilgrim, e há também histórias comoventes, como Habibi, de Craig Thompson. O obras nacionais também são muito boas, segundo a opiniões de muitos leitores de hq que eu conheço, mas não posso afirmar pois não tive contato com muitas. Enfim, as opções são infindas, basta procurar.

Finalizando, gostaria de dizer que esse não é o meio definitivo para se começar a ler histórias em quadrinhos. Escrevi esse texto apenas pautado na minha própria experiência. Sinta-se livre para começar por onde quiser, ler o que quiser e o que der mais prazer. De qualquer maneira, espero ter conseguido elucidar alguns pontos a respeito desse universo formidável. Como última dica, recomendo: é importante despir-se de todo o preconceito e pré-conceito que se tem sobre os quadrinhos. Muito mais do que histórias de heróis feitas para crianças, histórias em quadrinhos são uma forma de arte alternativa para contar algo, e renderam (e continuarão rendendo) obras-primas incríveis. Antes de lê-las, esqueça qualquer ideia que tenha sobre o gênero, e se prepare pra entrar nesse mundo composto por, além das letras, imagens, cores, onomatopeias e, é claro, ótimas histórias.

0 comentários:

Postar um comentário

 

BLOG HORRORSHOW - CRIADO E DESENVOLVIDO POR ARTHUR LINS - TODOS OS DIREITOS RESERVADOS © 2015