Entrevista com Andrew Pyper para Darkside Books


“A maior astúcia do Diabo é nos convencer de que ele não existe”, escreveu o poeta francês Charles Baudelaire. Já a grande astúcia de Andrew Pyper, autor de O Demonologista (DarkSide® Books, 2015), é fazer até o mais cético dos leitores duvidar de suas certezas. E, se possível, evitar caminhos mal-iluminados. O personagem que dá título ao best-seller internacional é David Ullman, renomado professor da Universidade de Columbia, especializado na figura literária do Diabo – principalmente na obra-prima de John Milton, Paraíso Perdido. Para David, o Anjo Caído é apenas um ser mitológico.

Ao aceitar um convite para testemunhar um suposto fenômeno sobrenatural em Veneza, David começa a ter motivos pessoais para mudar de opinião. O que seria apenas um boa desculpa para tirar férias na Itália com sua filha de 12 anos se transforma em uma jornada assustadora aos recantos mais sombrios da alma. Enquanto corre contra o tempo, David precisa decifrar pistas escondidas no clássico Paraíso Perdido, e usar tudo o que aprendeu para enfrentar O Inominável e salvar sua ilha do Inferno. Este é um daqueles livros que você não consegue largar até acabar a última página, ainda que vá precisar de muita coragem para seguir em frente. O Demonologista ganhou o Prêmio de Melhor Romance do International Thriller Writers Award (2014), concorrendo com autores como Stephen King. Entrou em diversas listas de melhores livros de 2013, foi finalista do Shirley Jackson Award (2013) e do Sunburst Award (2014), chegou ao topo da lista dos mais vendidos do jornal canadense Globe and Mail e foi publicado
em mais de uma dezena de países.

O Demonologista chega agora aos leitores brasileiros numa luxuosa edição em capa dura como só a DarkSide® Books sabe fazer. Leia O Demonologista antes de ele chegar ao cinema, nas mãos de Robert Zemeckis, diretor de Forrest Gump (1994) e da trilogia De Volta Para o Futuro (1985-1990).

Leia na íntegra a entrevista exclusiva que Andrew Pyper cedeu à Darkside Books:

O personagem principal, David Ullman, é um professor de literatura especializado no clássico de John Milton, Paraíso Perdido. Quão familiar você era com esse texto antes de começar a escrever O Demonologista? Como usou o poema para ajudá-lo a moldar a trama e os acontecimentos em seu romance?
Andrew Pyper. Eu tinha lido Paraíso Perdido como estudante na universidade, mas me lembrava pouco dele. Não, não é verdade: eu me recordava de poucos detalhes, mas carregava comigo os argumentos persuasivos e o dilema lastimável de seu discutível e ambíguo protagonista, Satã. Nos trechos em que ele é o narrador, achei o poema fascinante, quase perigoso em seu encanto. Mas quando o demônio não está presente, recordo-me de sentir que ele era um pouco difícil. Naquela época, eu teria concordado com a opinião do dr. Johnson, de que “ninguém o desejou mais longo”. Vinte anos depois, sou um romancista. (Também sou pai; isso ganha certa relevância em determinado momento.) Por vezes, estava refletindo sobre um caminho para criar um novo tipo de mitologia demoníaca em uma obra de ficção, uma sem padres, exorcismos, água benta escaldante ou as armadilhas costumeiras das histórias de “possessão”. Queria imaginar uma narrativa que fizesse os demônios parecerem bem fundamentados e reais – uma explicação plausível do por quê algumas pessoas, por algum tempo, agem de maneira irracional. Para alcançar isso, a relação entre os personagens humanos e demoníacos na história teria que ser ao mesmo tempo misteriosa e coerente, fantástica e crível. Foi ao desenvolver o que poderia ser utilizado como o fundamento para esse universo que me lembrei de Paraíso Perdido. De novo, não foi tanto o poema ou como eu pensava nele, mas um sentimento com o qual ele me deixou, a vitalidade de seu anti-herói, seu sofrimento, sua fúria velada e terrível solidão. Em resumo, ele foi um personagem que imaginei primeiro. Uma conexão emocional, e não um monstro.

David é um estudioso da demonologia, mas é um cético determinado em sua vida pessoal. O quanto de você está ali neste personagem? 
Andrew Pyper. Como em todos os meus protagonistas, há um boa parte de mim em David Ullman, embora haja partes mais numerosas as quais eu não tenho nada em comum com ele. Eu e David somos ambos pais, leitores e devoradores de livros. E sim, também não somos religiosos de alguma maneira significativa. Mas se eu deixo uma porta entreaberta em minha mente para o impossível, o inexplicável e o misterioso, David é (no começo do romance, ao menos) um ateu completamente comprometido, um racionalista, o tipo de homem que vê a fé como uma prática intelectual inferior. Nessa questão, entre outras – a diversão do pensamento sem limites –, não poderíamos ser mais diferentes.

Outra característica que você compartilha com David é a paternidade. Como foi escrever um romance sobre um pai tentando resgatar sua filha não apenas da morte, mas possivelmente de um destino pior que a morte?
Andrew Pyper. Pode soar estranho dizer que eu chorei com frequência enquanto escrevia um thriller sobre demônios, mas ao trabalhar em O Demonologista isso aconteceu bastante, emoções a flor da pele, muitas delas me surpreendendo com sua crueza e ferocidade. A primeira entre elas é o amor que tenho pelos meus filhos, e por Tess ser uma menina, pensei muito em minha própria filha, Maude. Nunca uma dedicatória foi mais merecida, pois eu não teria encontrado um rumo para essa história – nem para David, ou mesmo para o sofrimento particular do Inominável – sem ela. Eu sabia que para fazer o romance funcionar em um nível emocional, tinha que imaginar a situação que mais temo. Para fazer o leitor ter medo, eu tenho que sentir medo. E eu senti com frequência. Tudo isso fez de mim um pai melhor, pode acreditar. 

O Demonologista é um thriller excelente à sua própria maneira, mas ele também adentra o gênero do terror. Como escritor, o que acha que funciona para os momentos mais assustadores? Como você insere uma reviravolta em um thriller realista para dar a ele as qualidades que as pessoas buscam em um romance de terror?
Andrew Pyper. O terror, para mim, não é definido por aquilo que provoca o medo em alguém, mas pelo ser humano que tem contato com aquilo. Adoro histórias assustadoras e filmes de terror, embora, em minha opinião, eles possam também falhar com frequência em ser experiências estéticas completamente bem-sucedidas, pois a ênfase está no monstro, no fantasma, no vampiro, em vez de no por quê o misterioso escolheu visitar um personagem em particular, como ele experimentou aquilo, os rumos que alteraram através dessa rachadura em suas vidinhas mais ou menos normais.

Qual o livro mais assustador que você já leu?
Andrew Pyper. Não há um único vencedor aqui, apenas uma pequena lista de influências profundas. Lembro-me que minha mãe me proibiu de ler O Iluminado, de Stephen King, quando eu já estava na metade do livro. Isso me deixou tão nervoso e atormentado por pesadelos e geralmente aborrecido por ter que viver com isso (embora eu naturalmente tenha ignorado minha mãe). Mais tarde, A Outra Volta do Parafuso, de Henry James, mostrou-me o quão delicioso poderia ser, como leitor, caminhar pelo fio da navalha entre a crença em fantasmas (ou o que quer que seja a coisa misteriosa) em uma história como algo “real”, ou as projeções psicológicas do personagem. Tempos depois, A Face at the Window, de Dennis McFarland, provou – como se precisasse ser provado – que um romance literário de qualidade e o horror não são apenas compatíveis, mas potencialmente melhores juntos que qualquer outro subgênero.

Por fim, de qualquer forma, eu volto à infância. Para uma semana que passei em um acampamento de verão cristão (não diga), lendo a Bíblia em minha barraca enquanto me escondia dos valentões que diziam, desde a hora em que saí do ônibus, que “Até o final da semana... você vai estar morto”. Foi lá que encontrei o Apocalipse. Ele me assombra desde então.

A escrita de O Demonologista mudou alguma das suas crenças em relação ao sobrenatural?
Andrew Pyper. Sim. E prefiro deixar as coisas como estão.



Andrew Pyper (1968) é o premiado autor de seis romances, entre eles Lost Girls (1999), vencedor do Arthur Ellis Award, selecionado pelo New York Times como um dos livros do ano, e best-seller nas listas do New York Times e do Times (Inglaterra). Seu livro The Killing Circle (2008) foi eleito o melhor romance policial do ano pelo New York Times.

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