O Conto da Princesa Kaguya, Isao Takahata



Onde está a felicidade? Na simplicidade ou na exuberância? Em um palácio luxuoso ou num casebre? Está no dois? Afinal, onde está a verdadeira felicidade? É nesse conflito eterno que O Conto da Princesa Kaguya se instala. Mas não é só isso, não se engane. É muito mais, é do Studio Ghibli que estamos falando. Assisti este filme sem nem ler a sinopse ou ver qualquer trailer, minha confiança no estúdio é plena. Assisti e já nos primeiros segundos eu estava encantando. Ao passar do filme, senti-me uma criança diante de um monumento: Pequeno diante daquela grandiosidade. Dois dias depois, assisti novamente com o mesmíssimo entusiasmo e foi como se fosse a primeira vez. Foi aí que eu tive a certeza de que O Conto da Princesa Kaguya é muito mais que um filme.

Kaguya é uma garota que brota misteriosamente num bambu e é adotada por um casal humilde de trabalhadores rurais. Kaguya, ainda bebê, mostra um crescimento anormal e rápido, como também uma grande inteligência. E aí vemos acontecer sua infância alegre e simples. Até que dois novos bambus misteriosos brotam trazendo ouro e tecidos nobres, fazendo entender ao casal que os deuses queriam que eles a transformassem numa princesa. E assim foi feito. Com o ouro, foi construído um luxuoso palácio para Kaguya, tendo que renunciar aos seus amigos e à sua vida simples. Começa aí, então, o verdadeiro conflito de sua história. O que parecia ser, realmente, a felicidade, passa a ser motivo de tristeza. Kaguya deseja as belezas do palácio, deseja a maciez dos quimonos, mas também anseia por sua vida simples no campo. Tomado pela avareza, seu pai toma as rédeas da vida de Kaguya, fazendo-a sofrer em segredo. Com isso, Kaguya é ensinada a ser uma mulher de classe, encantando todos os homens que a veem ou tomam notícia de sua extraordinária beleza.


Logo de cara, o filme lhe apresenta uma estética linda, exuberante, mas, ironicamente, simples. O filme seguiu um estilo diferente dos outros trabalhos do estúdio, sendo inteiramente feito à mão. E o resultado não poderia ser outro a não ser um presente aos olhos, onde cada frame poderia muito bem ser uma obra de arte num museu. Os traços riscados denotam a sensibilidade e a simplicidade dos animadores, que ainda permitiram variar o estilo, correndo de mais suave a mais agressivo, acordando com a tensão do momento, o que resultou em cenas inesquecíveis. A trilha-sonora é um caso à parte e tem uma função vital no filme: Encantar a todos. Mas muito além da beleza estética, bonito mesmo é o enredo. Nunca havia ouvido falar sobre a lenda ao qual deriva o roteiro, mas ele me cativou de uma maneira estranha e permanente. A beleza permeia todos os cantos desse filme, mas nem sempre a felicidade se faz presente junto a ela. Eu queria poder dizer que este é um filme alegre, pois tudo parece caminhar para isso, mas não é. Sorri e me emocionei muitas vezes, mas ao final do filme, senti-me como se tivessem tirado algo de mim. É o poder do Studio Ghibli, que consegue tirar emoção de um coração de pedra, mas nunca de maneira gratuita, sempre sutil e de maneira singela. Se você já assistiu “O Túmulo dos Vagalumes”, fique tranquilo, não é tão triste quanto, mas não vá assistir esperando um “Ponyo” ou “Meu Vizinho Totoro”, também esqueça “A Viagem de Chihiro”. Este filme é uma pérola única, incomparável. E qualquer elogio menor que isso é uma desfeita à obra.

Em um conflito de emoções e de desejos, Kaguya é obrigada a amadurecer e nós, espectadores, crescemos juntos com ela. O filme nos faz, invariavelmente, questionar a nós mesmos. Numa sociedade onde a felicidade está confundida com o poder monetário, as pessoas deixam-se superficializar para satisfazer condutas morais de comportamento e serem aceitas como alguém “civilizado”. Abandonam qualquer traço do que poderia ser considerado “selvagem”, “rural”, revogam a própria felicidade em nome de status. Estariam essas pessoas satisfeitas? Apesar de O Conto da Princesa Kaguya derivar de uma lenda milenar, a visão que o Studio Ghibli deu a esta história é incrivelmente moderna e não poderia ter sido lançada em melhor hora.

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