O Substituto, de Tony Kaye


"E nunca me senti tão profundo e, ao mesmo tempo, tão alheio de mim e tão presente no mundo." 
 Albert Camus

O título original do filme O Substituto é "Detachment" e, dentre as possíveis traduções para essa palavra, a que mais se encaixa é "indiferença". Creio que essa seja a palavra-chave do filme. Para o espectador desavisado, porém, essa "indiferença" pode se referir apenas ao sentimento dos alunos daquela escola apresentada no longa. Entretanto, isso seria um eufemismo.

Não julgo ninguém. Da primeira vez que assisti a esse filme, também pensei assim. Foi só depois, quando resolvi revê-lo sob um olhar mais atento, que notei o quão fiel é o título à obra em si e a todas pessoas que nos são apresentadas nela. O descaso surge de todas as direções: dos alunos, professores, pais e todos os demais membros que integram este organismo.

A história segue a vida do professor Henry Barthes, um homem amargurado que passa seu tempo escrevendo, o qual suas únicas alegrias estão nas lembranças calorosas da mãe, que se suicidou quando ele ainda era criança. Henry é um talentoso professor de literatura, com uma incrível capacidade de conquistar seus alunos. Mas esse é um filme frio, e se prova assim ao nos apresentar um indivíduo que prefere trabalhar como professor substituto, a fim de evitar a aproximação com os alunos.

Acompanhamos o dia-a-dia de Henry, assim como suas relações  na maioria, conturbadas  com as pessoas à sua volta. Ele possui um passado obscuro com o seu avô, que atualmente é um homem muito doente, mas resolveu deixar isso de lado (apesar de guardar ressentimentos) para cuidar dele da forma que pode. Na escola, sua primeira aula é marcada por um momento tenso em que é afrontado por um aluno e suas habilidades como educador são postas à prova. Fora da escola e em meio a acasos, desenvolve uma amizade improvável.

O Substituto é um filme angustiante. Tony Kaye, o diretor, acentua essa angústia devido a uma câmera inconstante, que está sempre mudando de posição. Nas situações mais tensas, ela treme e adquire o ponto de vista de um agressor, a exemplo do momento em que uma professora é ameaçada por uma garota e, em seguida, cuspida por ela. Para reforçar o sofrimento do longa, o diretor adicionou relatos em preto e branco de professores, dando um tom documental ao filme.  Tony também cria uma atmosfera mais intimista ao usar planos fechados nos rostos dos personagens. Adrien Brody, aliás, desempenha uma atuação incrível na pele do professor, com seu olhar melancólico e distante, tornando-o um homem profundo, perdido em sua poesia. Tony Kaye também assina a direção da fotografia, e faz um trabalho impecável, alternando a fotografia clara e fria com as memórias do protagonista, que são quentes e saturadas, e os já citados momentos em preto e branco.

Tony Kaye, a mente por trás do excelente A Outra História Americana, repete a dose. Ele imprime um olhar realista sobre a educação atual, abordando todos que a integram e expõe a decadência do sistema educacional americano (que sofre problemas parecidos com os que as escolas brasileiras enfrentam). O filme é também inspirador e poético em alguns momentos, mas essa beleza apenas suaviza os contornos ásperos da realidade triste transmitida no resto da obra. 

Assim como em A Queda da Casa de Usher, onde Poe descreve não só a tristeza de uma casa velha, mas também um estado de ser, O Substituto, apesar das duras críticas ao formato desgastado e ineficiente da educação moderna, não para por aí e analisa aqueles que a compõem, revelando os conflitos internos de cada um. O Substituto é um filme que, ao mesmo tempo que inspira, nos choca. No fim, ficamos como o professor Henry, que tem dentro de si a indiferença misturada à vontade utópica de mudar o mundo.


0 comentários:

Postar um comentário

 

BLOG HORRORSHOW - CRIADO E DESENVOLVIDO POR ARTHUR LINS - TODOS OS DIREITOS RESERVADOS © 2015