Ensaio Sobre a Cegueira, José Saramago



José Saramago. Só o nome deste autor português já produz um impacto em nossos ouvidos. Recebeu o Prêmio Nobel da Literatura em 1998, o primeiro recebido por um escritor da língua portuguesa, além de outros prêmios ao longo de sua carreira, não só como escritor, mas em muitos ramos artísticos. Ensaio Sobre a Cegueira é seu livro mais famoso, apesar de ter em seu currículo as obras “A Jangada de Pedra”, “O Evangelho Segundo Jesus Cristo”, “Caim”, “A Caverna”, “A Viagem do Elefante”, “Ensaio Sobre a Lucidez” e “As Intermitências da Morte”. Era ateu e suas polêmicas políticas e religiosas sempre foram alvo de muita atenção.

Não conhecia nem o autor e nem o livro, até que, em 2008, conheci o filme e fiquei sabendo que era baseado em um livro. Como eu já disse aqui, não sou exatamente fã de filmes, mas gostei bastante deste e acabei procurando o livro. Alertaram-me sobre a possibilidade de eu não gostar do estilo de escrita do leitor, e que eu talvez desistisse por ser muito nova. Ouvi também que o livro era chato, mas partindo do roteiro do filme, não levei muito a sério. Que bom.

A princípio, não gostei mesmo do estilo da escrita do autor, que não separa os diálogos como estamos acostumados, mas depois de entender como funcionava, não foi um problema. Já todo o resto, sensacional.

"Este é um livro francamente terrível com o qual eu quero que o leitor sofra tanto como eu sofri ao escrevê-lo. Nele se descreve uma longa tortura. É um livro brutal e violento e é simultaneamente uma das experiências mais dolorosas da minha vida. São 300 páginas de constante aflição. Através da escrita, tentei dizer que não somos bons e que é preciso que tenhamos coragem para reconhecer isso."

O livro trata de uma doença, que surge aleatoriamente, chamada “cegueira branca”, já que todos os que são contagiados enxergam apenas um “branco leitoso” contínuo. A doença é extremamente contagiosa e, ao longo dos dias, muitas pessoas tornam-se cegas. Assim, todos são enviados para a quarentena e devem permanecer afastados do resto do mundo.

A única contagiada que não é afetada pela epidemia é a mulher do médico que atendeu o primeiro caso. Apesar de enxergar, ela não deixa o marido ser levado sozinho, e mente para poder acompanha-lo. Afinal, ela esteve em contato e pensa que cedo ou tarde enxergará o mesmo que todos. Sabendo da visão perfeita de sua mulher, o médico pede para que ela não revele isso a mais ninguém, por medo das consequências.

A mulher do médico tenta ajudar a todos que pode, com alguns pretextos, como uma ótima memória espacial, para guiá-los até o banheiro, por exemplo. A partir de um certo ponto, é descoberta, e as coisas mudam, como seu marido previu.

“O medo cega, disse a rapariga dos óculos escuros, São palavras certas, já éramos cegos no momento em cegamos, o medo nos cegou, o medo nos fará continuar cegos.”

O local da quarentena começa a superlotar, e os problemas começam a piorar. Em busca de organização, a princípio, formam um governo e depois um sistema de trocas. São formadas castas rudimentares e alguns homens passam a dominar as mulheres. O sistema interno é um caos. O pior das pessoas começa a surgir bem rápido e se intensifica com as relações de poder. Os confinados passam a fazer parte de um longo pesadelo e uma luta pela sobrevivência.

O Estado provinha alimentos e alguns outros artigos necessários para a sobrevivência daquelas pessoas, porém de maneira extremamente cautelosa e sem contato algum com os internos. E de um dia para outro, esse auxílio cessa. Sentem-se abandonados e sozinhos, mais do que nunca.

Durante toda essa jornada, identificamos personagens extremos, muitos com sua essência oportunista e malévola, fazendo tudo o que estava ao alcance para elevarem-se em detrimento dos outros. Assim é o mundo em que vivemos. Todo o universo paralelo criado por Saramago é muito facilmente aplicado e percebido em nossa realidade. É por isso que o livro impressiona e perturba. É possível associar conhecidos nossos com os personagens do livro, sem nome, sem rosto, apenas com suas atitudes.

Assim como alguns são a junção de todas as coisas ruins que conhecemos no mundo, a parte boa de alguns se sobressai, como a mulher do médico. As pessoas começam a se relacionar com mais afeto, carinho, e especialmente compaixão. Alguns compreendem a igualdade de todos naquela mesma situação irremediável, e passam a tentar obter o melhor de tudo aquilo. Todas as sensações, sons, toques e vozes deixam de ser pequenas partes do dia-a-dia e passam a ser toda a vida daquelas pessoas.

“Penso que não cegamos, penso que estamos cegos, Cegos que veem, Cegos que, vendo, não veem.”

Até que, então, todos recuperam sua visão. Ao mesmo tempo em que estão felizes e querem descobrir os rostos das pessoas por quem nutriram afeto, querem também sair daquele lugar o mais rápido possível e encontrar o resto do mundo. Tudo isso para encontrar um mundo destruído e entenderem o porquê de terem sido abandonados pelo Estado. Resta-lhes, assim como a nós, reconstruir de maneira mais humana o que for passível de reconstrução. O mundo externo que encontraram era completamente diferente, mas eles também foram profundamente modificados.

Fiquei tão fascinada com este livro que o reli duas vezes e pretendo ler todas as obras do autor que eu conseguir encontrar.

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