Réquiem Para Um Sonho, Darren Aronofsky



BE EXCITED, BE, BE EXCITED!


Cru. É paradoxal começar esta resenha com esta palavra para falar de um filme que foi polido com tanto esmero, mas “Réquiem para um sonho” consegue dar um pouco de sentido a este paradoxo. De um lado temos a extraordinária direção do Darren Arenofsky, belíssimas tomadas, fotografia original e bem feita e trilha sonora memorável, do outro temos uma história difícil de ser digerida e que poucos se oferecem para experimentá-la da devida forma, como um alimento cru.


Assim que embarcamos nessa história, somos apresentados ao casal Harry Goldfarb e Marion Silver, e ao Tyrone Love. Jovens, loucos e alucinados que vivem de pequenas aventuras ilícitas. Logo em seguida, conhecemos a Sara Goldfarb, uma senhora viúva e solitária que vive à mercê das peripécias de seu filho. Tem a televisão e as companhias esporádicas de suas amigas como únicos lazeres. Dois mundos aparentemente desconexos, porém, ao fundo, escondem um elo perigoso e profundo: o vício.

É verão, os sonhos prosperam, a trilha-sonora é calma, entretanto é possível perceber as nuances de uma futura tempestade. Harry e Marion idealizam suas vidas juntos, Tyrone quer honrar a memória de sua mãe e Sara se acaba em êxtase ao receber um convite para participar de um programa de televisão, fazendo sua vida vazia ganhar um novo brilho.

O outono chega e a orquestra de horror aos poucos vai ganhando força. Os planos não saem como planejados e os obstáculos começam aparecer. O caminho que eles escolheram para prosperar é o mesmo que os derrubarão. Os três amigos vão se afundando no vício e na ambição do dinheiro fácil. Bem longe desse núcleo e sozinha, Sara, sem querer, cai numa armadilha e se torna obcecada em “caber no seu vestido vermelho”. Tal obsessão nos presenteia com uma das melhores atuações femininas da história, da atriz Ellen Busrtyn, que interpretou a mãe de Regan em “O Exorcista”. Porém, aqui o demônio não é uma entidade sobrenatural, é, na verdade, uma realidade que se pode alcançar com algumas pílulas ou injeções.
“Eu sou alguém agora, Harry. Todo mundo gosta de mim. Em breve, milhões de pessoas vão me ver e todos eles gostarão de mim. Eu vou dizer-lhes sobre você, e seu pai, como ele era bom para nós. Lembra-se? É um motivo para se levantar de manhã. É uma razão para perder peso, para caber no vestido vermelho. É um motivo para sorrir. O que eu tenho Harry, hm? Por que eu deveria mesmo fazer a cama ou lavar os pratos? Eu faço, mas por que eu deveria? Eu estou sozinha. Seu pai se foi, você se foi. Eu não tenho ninguém para cuidar. O que eu tenho, Harry? Estou sozinha. Estou velha.”
Então, o inverno chega e com ele o réquiem chega ao seu ápice. A estação mais sem vida do ano é palco para o último ato desta terrível orquestra. “Réquiem para um sonho” é um filme de terror para o século XXI. Aqui o sobrenatural dá lugar ao real, os fantasmas não assombram mais casas grandes e antigas, mas estão por toda parte nas margens das cidades grandes, nas esquinas, nos becos, nas favelas, nos guetos. É uma história de terror que qualquer um pode presenciar e sentir. E é por isso que esse filme se torna necessário. Ele pode não ser para qualquer um, mas, ao mesmo tempo, é para todos. 

Quando foi lançado, a falta de preparação e a inocência do público na época, subjugaram a qualidade do filme que recebeu muitas críticas ruins, porém, 14 anos depois, o filme continua a ganhar força e se torna cada vez mais real e palpável. Por fim, os magníficos personagens desta obra-prima chegam ao seu destino final. Não é um destino agradável, e é bom que saiba de antemão que este não é, nem de longe, um filme feliz. O mundo de vícios, perversidade e imoralidade se esvai, porém as sequelas desta aventura nunca serão esquecidas. Desamparados, sozinhos e desconexos do mundo, esses seres-humanos se apegam às memórias daquilo que mais desejaram, como uma paixão platônica desenfreada e cega, como bebês que procuram o aconchego nos braços de suas mães. As luzes se apagam, as cortinas se fecham, os sonhos se repousam e ao acabar de ter essa magnífica experiência, eu espero que ela fique na sua cabeça por alguns dias, como ficou na minha, que ela te traga dúvidas, que te traga questionamentos, que te faça ver de verdade o mundo à sua volta. Que ela te dê certeza que alguns caminhos não valem a pena ser seguidos.

4 comentários:

  1. Seria legal ler o texto ouvindo uma música que combina com ele: Requiem of a Dream https://www.youtube.com/watch?v=i5Kwf_nNmGI

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  2. Achei muito interessante sua resenha, mas senti falta de uma interpretação do nome do filme, que se trata de um réquiem para o Sonho Americano, tratando mais profundamente da relação das vidas dos personagens com esse característica tão marcante e arruinada do povo americano.

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  3. Oi Leandro, muito obrigado pelo comentário. "Réquiem" significa repouso, no contexto do filme, seria algo como o repouso dos sonhos que não deram certo. Porém, "réquiem" também é uma espécie de prece ou missa funérea, ou seja, o réquiem acompanha todo o filme e chega ao seu ápice quando os sonhos são "enterrados", digamos assim. Essa interpretação ao nome está implícita no texto. A sua interpretação também é interessante e eu a havia cogitado em mencioná-la, porém deixei-a de lado pois quis dar uma visão mais universal ao filme, dando uma ênfase no global, já o filme trata de uma questão onipresente em quase todos os lugares do mundo. Agradeço pelo enriquecimento que você trouxe à postagem. Até mais.

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  4. Texto e tema maravilhosos. Resenha mui bem escrita! Coincidência ou não, ontem durante uma aula, pela manhã, lembrava-me da trilha sonora deste filme. Do "Réquiem for a Dream" super elaborada por Clint Mansell e de "Réquiem" de Mozart. Quanto à resenha, posso dizer que passeei pela história do filme, que assistira ano passado, simplesmente fantástico. Apresenta-nos a realidade nua e crua, muitas vezes omitida por causa de muitos paradigmas americanos. E como aqui supracitado, trata-se de uma realidade universal, da questão dos vícios, manias e desejos. Dentre eles o de simplesmente aparecer na tevê, sonho de milhões de pessoas, que julgam assim, tornarem-se importantes e fazerem de tudo para isso. Enfim, o blog está de parabéns, trabalhos excelentes expostos aqui. Desejo muito sucesso nessa caminhada bastante promissora!

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