Destrua/Pinte/Congele/Venda/Amasse esse texto

A vida é um constante fluxo evolutivo. Óbvio que é. O que evolui, sobrevive para mais uma era, e o que não, simplesmente deixa de existir. O meu querido e saudoso VHS (sim, VHS mesmo!) que não evoluiu, não tinha HD nem opção para mudar os áudios, deixou de existir. O mercado de música que evoluiu das fitas cassetes (não, essas eu odiava) para os CDs e eventualmente, música online, permanece, mesmo diante do aumento da pirataria, funcionando.

Os livros seguem a mesma regra. No entanto, caso o mercado não evoluísse, não acredito que seriam extintos, mas readaptados de qualquer forma. Embora não houvesse a ameaça de dissolução do mercado, nem pelo e-book ou pela pirataria, o livro continua uma evolução constante e bem interessante: o livro agora é feito por todo mundo. Por você também. É, você aí lendo. Quer saber o que você tem feito?

Em 2003 a professora de artes Keri Smith lançou um livro chamado “Living Out Loud” por uma editora canadense não muito conhecida. Era o primeiro de uma série que se tornaria sua marca: livros interativos. Sem texto conduzindo uma história, o livro convidava o leitor a realizar atividades, algumas com o livro. O livro não foi um sucesso gigante, mas iniciou a propaganda boca a boca que tornou o terceiro título da autora o maior sucesso do gênero: Wreck this Journal. Publicado no Brasil sob o título de “Destrua esse diário”, o livro convidava o autor a customizar o simples amontoado de folhas para obter um objeto, fruto de arte, diferente de todos os outros. Tarefas que acabavam por ser divertidas, como “congele essa folha”, deixavam o processo engraçado e curioso. Algumas eram mesmo libertadoras para qualquer leitor como “destrua a lombada desse livro”. Quem nunca quis destruir a lombada de um livro?

Keri Smith lançou, ao todo, 10 livros interativos. O seu oitavo começou mais uma modalidade no gênero. “Finish this Book”, publicado no Brasil como “T_rmin_ Es_e L_v_o” em 2011(eu sei, dá agonia), continha uma história simples e não finalizada. Com lacunas chave no enredo, dava ao leitor, e agora autor também, a chance de preenchê-las como quisesse, criando uma história distinta e pessoal. Também foi um sucesso estrondoso. Chegou a ser vendido em conjunto com os demais livros da autora numa espécie de “bundle” da criatividade.

No ano de 2014 temos mais uma camada do movimento: os livros de colorir. Ok, livros de colorir são para crianças e existem desde garrafas de Coca-Cola com rolha, mas esses são “anti-estresse”. São livros grandes, em tamanho mesmo, com figuras enormes, complexas e bem detalhadas. Totalmente em branco, requerem do leitor, agora autor e artista, uma paciência enorme para preencher cada pequeno espaço, mas que no fim, se torna uma figura linda que gera imediatamente o incentivo para fazer mais uma. A nossa querida desenhista Marina tentou e obteve o efeito contrário, mas Marina é uma pessoa complexa. A parte “anti-estresse” do livro funciona para a maioria do público. O título mais conhecido é “O Jardim Secreto” de Johanna Basford, que contém figuras de flores emaranhadas que tem mais detalhes que um desenho do jogo “Where’s Waldo?”. Se realmente funciona como anti-estresse? Pergunte à Marina. Mais quatro livros desse tipo já foram lançados nesse curto espaço de tempo. O mais recente deles é um livro chamado “Suruba para colorir” da editora Bebel Books, sem autor definido, com gravuras de orgias em branco, mostrando que a expansão de algo bem sucedido, hoje em dia, se dá muito rapidamente e em diversas áreas. Vale mencionar que o comprometimento com o intuito do livro é tão real que eles são vendidos, geralmente, acompanhados de uma caixa de lápis de colorir e apontador. Fofo.

Ao escrever esse texto, falei para uma amiga pedagoga sobre o assunto e pedi a opinião dela sobre. Evitando dar uma opinião definitiva, ela se limitou a dizer que a ideia de livros assim era “potencialmente aplicável à sala de aula, principalmente nas aulas de artes, onde o aluno pode ver que arte pode ser aplicada a tudo, até para o que já parece finalizado, e nas aulas de literatura, onde se pode desmistificar a ideia de que interagir com um livro seja uma coisa chata, como se vê comumente dentre as crianças.”

Não sei, nem me arriscaria a dar um palpite, se essa moda vai durar. Sofrendo diversas críticas, principalmente o mais famoso argumento “não é livro de verdade” e o runner-up “não pago para destruir um livro”, esse tipo de obra tem mantido suas vendas e sucesso constante há mais de 10 anos! Ressalto também que, embora eu tenha mencionado apenas a evolução desse tipo de literatura, repare que também mencionei a evolução do leitor, que passa de leitor a ser, também, autor e artista. A realização do que o livro propõe não é um simples jogo de abrir e ler, não mais. Não considero sentar na minha velha poltrona para ler um livro enorme por horas uma tarefa maçante, mas considero vender uma página de um livro para um estranho algo altamente divertido. Um modo de leitura não exclui outro. A história já provou diversas vezes que a maioria torce o nariz quando o avanço em alguma coisa é muito grande. Esse pode ser mais um exemplo que usarão no futuro. Alguém estará sentado em sua velha poltrona, na sua casa flutuante, escrevendo sobre quando as pessoas criticavam os livros interativos e debochando da atitude, ao mesmo tempo em que anuncia online uma página de um livro e pensa em com qual cor preencher o lírio minúsculo da coroa de flores da página 27. Amarelo, definitivamente amarelo.

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