'71, Yann Demange


Filmes sobre guerra existem aos montes, a maioria, claro, são versão superficiais e ficcionais do que é uma guerra de verdade. Alguns, no entanto, acertam em cheio em mostrar a realidade nua e crua, sem arrodeios, diante do espectador. Em seu primeiro longa-metragem, o diretor estreante Yann Demange aborda com muita veracidade uma guerra real que acontece há muitos séculos.

Talvez não seja de conhecimento geral, principalmente por estar tão longe de nossa realidade, mas na Irlanda do Norte, em Belfast, existe um conflito secular entre católicos e protestantes. Uma guerra civil que matou cerca de 3.500 pessoas durante o período de 1969 a 1990, quando foi sancionado um acordo de paz. Porém, até hoje a cidade está dividida e vez ou outra conflitos reacendem. É neste contexto que um jovem soldado britânico se encontra perdido. Após ser enviado para Belfast, sua tropa o abandona e ele encontra-se completamente desorientado numa cidade em guerra e completamente dividida. É aí que o conflito de fato se apresenta para nós. A cidade mostra-se devastada, carros queimando, explosões e ninguém é confiável. A luta por ideais se mostra intensa ao ponto de haver homicídios gratuitos. Não é poupada a exposição de corpos mutilados ou assassinatos, e a realidade da retratação é assustadora. Jovens são aliciados a guerrear e mesmo crianças entram neste conflito que não perdoa ninguém. O próprio soldado, inexperiente, passa por um processo de amadurecimento ao ter contato com a morte banalizada. Jack O’Connel (James Cook, na série Skins) trouxe a força certa para a interpretação do soldado. Em alguns momentos há lampejos de sanidade, mas o que impera é o ódio cego e descontrolado.

Percorremos um intenso labirinto pela cidade, nos sentimos perdidos junto ao soldado e a tensão se faz presente em cada minuto do filme. Há raríssimos momentos de calmaria. Os movimentos da câmera são bruscos e agitados, num estilo completamente documental, o que fomenta ainda mais a realidade da situação. Os cortes foram usados com cautela e há vários planos-sequência durante o filme. Seguimos cada passo do soldado por Belfast numa noite aparentemente interminável e cheia de reviravoltas. Há traição, espionagem, uma luta constante de ideiais, e mesmo que o filme retrate uma realidade distante da minha a tensão e o suspense são completamente palpáveis, o sentimento de revolta causado pela impunidade e a loucura dessa guerra incomoda mesmo após o filme ter seu fim.

’71 foi bastante elogiado pelos críticos e recebeu menção honrosa no Festival de Berlim, mas não é um filme para todos. É chocante, imprevisível e cru. A agonia se torna uma constante em toda a execução, mas a reflexão causada pelo filme faz valer a pena passar por esta experiência primorosa, porém devastadora.

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