Frodo fracassou. Ou não?



Desde o começo da saga “O Senhor dos Anéis” fica claro o objetivo dos três volumes: Destruir o Um Anel. Objetivo simples e conhecido mesmo por quem não é fã. Já avaliamos o porquê de Tolkien ter escolhido tão improvável personagem para ser o encarregado da missão. Vamos então analisar a conclusão de sua trajetória, que assim como a escolha do herói, é também incomum.

Frodo é um hobbit normal, a princípio, e ao fim de sua jornada torna-se alguém corajoso, forte e determinado. Vale lembrar que há qualidades de Frodo que ele já possuía. Ele sempre fora leal, amigo e justo. Essa última se torna agora a mais importante. Sauron planejava, com a forja do anel, dominar a Terra média, e a destruição do objeto levaria ao fim qualquer possibilidade de aplicação dessa imposição. Frodo sabe disso e entende a importância do dever que lhe é conferido. Ele guarda o anel e o protege diversas vezes de quem tentou se apoderar dele ou de quem pareceu querer. No entanto, ao chegar à beira das chamas da Montanha da Perdição, Frodo não lança o anel para ser destruído. O objeto acaba por cair nas chamas apenas quando em posse de Gollum, que se desequilibra e cai. Frodo fracassou em sua missão então, certo? Errado!


Essa recusa de Frodo a destruir algo tão poderoso é mais um traço da imprevisível narrativa de Tolkien. É de se esperar que, após sofrer durante o caminho, o herói chegue ao seu objetivo e o cumpra, se tornando assim merecedor da glória possuída. Não aqui. O anel tem vontade própria. Ele corrompe os homens e tenta, assim, voltar ao Senhor do escuro. Nosso herói recém formado sofreu no caminho, passou por provações e não consegue cumprir o objetivo. Frodo é corrompido pelo anel e isso diz muito sobre ele. Positivamente. O fato de ter sido atraído pelo poder torna o Hobbit mais “humano”. Confere algo que geralmente fica em segundo plano nos exaustivamente descritos atos heroicos pelas histórias: a vulnerabilidade. Mesmo Aragorn, herói idealmente formado, tem momentos de vulnerabilidade. Todos têm. Todos temos. Ignorar isso em uma narrativa com esse grau de aventura seria tornar tudo superficial, ou em um termo mais moderno, “forçado”.

No entanto, a humanidade agora explícita de Frodo também lhe confere outro atributo além da vulnerabilidade: piedade. Sam sempre foi contra a companhia de Gollum. Sam desconfia da criatura e mantém vigilância constante pois espera um ataque furtivo. Já Frodo mostra sentimento de piedade. Ele vê no que Smeágol se transformou e sabe que não é culpa dele, tornando a criatura alvo de pena, não raiva. Frodo chega, inclusive, a defender Gollum das agressões motivadas por desconfiança de Sam.

Toda essa confiança desprendida de Frodo para Gollum é traída quando, dentro da montanha da perdição, a criatura ataca Frodo e consegue, assim, tomar o anel que tanto desejava. Seria o final da história: Frodo teria fracassado e Gollum fugiria com o anel, provavelmente. Porém, inebriado com o fato de ter conseguido o objeto de sua adoração, Gollum tropeça e cai em direção as chamas da montanha, e eis que surge o ato que redime Frodo: ele tenta salvar Gollum. Mesmo com o mal que a criatura lhe fez, Frodo não aceita um fim trágico para ele. Um verdadeiro ato heroico.

Durante muitos momentos na saga, os acontecimentos parecem ser conduzidos. Algo como predestinação. Por exemplo: Bilbo estava destinado a encontrar o anel; no conselho em Valfenda, Elrond, diante da que viria ser a Sociedade do Anel, parece saber que Frodo se voluntariará para ser o portador do anel. Mesmo com esses claros indícios de existência de uma espécie de destino na história, no fim tudo está atrelado às escolhas, tornando-o, agora, herói mais relacionável com o leitor. Frodo escolheu, embora abduzido, não destruir o anel. Ele escolheu salvar quem lhe fez mal. Para Tolkien, essa demonstração de misericórdia de Frodo para com Gollum o torna bem sucedido na sua jornada que, embora mascarada pela necessidade de destruir o anel, era primariamente pela sua transformação em um herói genuíno. Frodo escolhe ser bom ao final de tudo e esse é seu sucesso.

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