2001: Uma Odisseia no Espaço, Clarke e Kubrick


Em meio a ambientes inóspitos, bandos de homens-macacos disputam os melhores locais e tentam lidar com as intempéries do seu habitat. Entretanto, o surgimento de um estranho objeto (claramente extra-terrestre) influencia, como podemos presumir, no destino dos homens primitivos. A presença desconhecida do monólito escuro estimula nos animais alguns raciocínios e contribui para a evolução do homem.

Essa história é mundialmente famosa graças ao filme de Stanley Kubrick. Dotado de uma perfeição estética, o filme se tornou uma das obras mais famosas de ficção-científica e impressionou o mundo pelos incríveis efeitos visuais à frente da época. No entanto, o que muitas pessoas não sabiam era que o responsável pelo roteiro do filme era ninguém menos que Arthur C. Clarke. Não bastando isso, o autor escreveu um livro concomitantemente à produção do filme. Stanley Kubrick, que tinha lido alguns contos de Clarke (mais especificamente A Sentinela e Encontro no Alvorecer), convidou o escritor para desenvolver um filme. 2001: Uma Odisseia no Espaço é, então, o resultado do trabalho de duas grandes mentes das artes do século XX.

O livro, que é dividido em seis partes, sofre um corte e reinicia a história milhões de anos depois, com a sociedade como ela é hoje. Nesse contexto, cientistas descobrem um monólito enterrado na Lua e têm suas curiosidades provocadas. Esse outro monólito emite um sinal das redondezas de Saturno. Meses depois, inicia-se a missão que irá investigar a transmissão alienígena. Tripulada pelos astronautas David Bowman, mais outros que estão suspensos e HAL 9000, o computador que é o auge da inteligência artificial e da criação humana. É durante essa viagem que ocorre o grande embate da história, um thriller psicológico protagonizado pelos homens ─ os criadores ─ e a máquina ─ a criatura (no melhor estilo Deus Ex Machina). É nesse momento também que está contida a grande crítica do livro e do filme: como somos dependentes das máquinas que criamos, e como toda a nossa evolução está alicerçada no desenvolvimento da tecnologia e não do nosso ser. Apesar de parecer uma história à parte, o drama que ocorre a bordo da Discovery One é essencial para uma interpretação mais clara da obra como um todo.

O homem se lançou no Espaço rumo ao desconhecido e, com o mesmo medo que os navegadores tiveram 500 anos antes, foram numa busca incerta como alguém tateando no escuro, à procura daquilo que não conhecem. Com maestria, Stanley e Clarke sintetizaram todos os sentimentos humanos acerca do Universo. 2001 não é apenas uma obra sobre alguma vida inteligente extraterrestre. Mais do que isso, é uma história sobre nós. Ironicamente, o livro mostra que 4 milhões de anos se passaram e os humanos ainda dão seus primeiros passos. As questões deixadas para nós em relação à vida extraterrestre são apenas uma parte da obra. Sua proposta é uma análise profunda do homem atual que, segundo Nietszche, é uma corda esticada entre o animal e o super-homem. O animal que fomos antes, muito tempo atrás, o homem que somos agora e o que poderemos vir a ser. A história flerta muito com a filosofia de Nietszche sobre a ascensão de um novo homem, como escrito por ele em Assim falou Zaratustra. Corroborando isso, a música-tema do filme é Also sprach Zarathustra, sinfonia de Richard Strauss baseada no livro homônimo. Em acréscimo, o livro também nos traz várias discussões éticas sobre a nossa consciência e humanidade, que podem ser ilustradas com as personalidades dos tripulantes da Discovery: os homens ali são frios e insensíveis, ao mesmo tempo em que a máquina, considerada defeituosa, expressa suas emoções.



2001: Uma Odisseia no Espaço é, sobretudo, uma análise da Humanidade e seu lugar no Cosmos. A obra máxima de Arthur C. Clarke é carregada de discussões filosóficas existenciais, críticas ao homem e pode gerar inúmeras interpretações, portanto não espere nada mastigado. O livro traz mais respostas para o leitor do que o filme, considerado complexo, mas mesmo assim não sabemos de tudo. A obra, tanto o livro quanto o filme, exige do leitor e espectador um bom esforço mental. Um dos objetivos de sua escrita é justamente esse: suscitar reflexões em quem o lê, e por isso não espere entender tudo, pois, como o próprio Clarke disse, "se você entendeu completamente 2001, então falhamos".

Depois de anos fora do mercado brasileiro, a Editora Aleph relançou o livro aqui numa edição que faz os olhos brilharem. Com uma arte minimalista que remete ao "olho" do HAL 9000, o livro - que vem numa caixa - é todo preto, referenciando o famoso monólito da história. De extras, a editora adicionou os dois contos que influenciaram o livro (A Sentinela e Encontro no Alvorecer) e mais alguns textos de Arthur C. Clarke. De fato, uma edição primorosa e à altura desse clássico da ficção-científica.

Leitura indispensável para fãs de ficção-científica ou apreciadores de uma boa discussão filosófica, o livro nos deixa cara-a-cara com nossos temores. É um exercício mental sobre a nossa existência e um convite para a reflexão e desenvolvimento de um pensamento que ultrapasse fronteiras.

0 comentários:

Postar um comentário

 

BLOG HORRORSHOW - CRIADO E DESENVOLVIDO POR ARTHUR LINS - TODOS OS DIREITOS RESERVADOS © 2015