#ProjetoRelendo: Parte I - A Pedra Filosofal


"O Sr. e a Sra. Dursley, da rua dos Alfeneiros, nº 4, se orgulhavam de dizer que eram perfeitamente normais, muito bem, obrigado. Eram as últimas pessoas no mundo que se esperaria que se metessem em alguma coisa estranha ou misteriosa, porque simplesmente não compactuavam com esse tipo de bobagem."

Não sei definir muito bem o que senti quando li isso. É o começo do livro. Outra vez. Acho que eu me toquei que eu estou de verdade fazendo uma coisa complicada, e quase voltei atrás. Tem alguma chance de eu me envolver com o universo de Harry Potter com a mesma intensidade da primeira vez? Acredito com as mais diversas forças que não, mas como a proposta é justamente descobrir e contar pra vocês... Voilà.

A primeira coisa que tenho a dizer é: a Rowling tenta te dizer, sobre Hagrid, que "ele era quase duas vezes mais alto do que um homem normal e pelo menos cinco vezes mais largo. Parecia simplesmente grande demais para existir e tão selvagem ─ emaranhados de barba e cabelos negros longos e grossos escondiam a maior parte do seu rosto, as mãos tinham o tamanho de uma lata de lixo e os pés calçados com botas de couro pareciam filhotes de golfinhos". E você simplesmente responde "dane-se, Hagrid é o Robbie Coltrane vestido de Hagrid e acabou". O quero dizer com isso? Definitivamente não tem como deletar da mente todas as influências que eu tenho acerca da construção da história, dos cenários, dos personagens.

A bendita da Rowling não colabora: embora o primeiro livro seja aparentemente mais "estou aqui te mostrando o que é o universo que eu criei" do que "olha só quanta aventura e perigo, que emoção!", toda a construção vai sendo feita no decorrer do livro, e as descrições acabam sendo meio vagas. Por um lado isso é muito bom, já que a leitura flui melhor e não fica cansativa; mas por outro, te dá liberdade pra imaginar os personagens e os cenários de formas sortidas. E daí tudo o que fizeram nos filmes vem na sua mente sem perdão, engessa sua criatividade e não te deixa transpor a coisa pro imaginário em paz. Tentar não ser induzido por todas essas pré-concepções acaba sendo um exercício difícil ─ embora interessante.

Aproveitando a onda para fazer paralelos com o filme, é engraçado como muitas partes longas do livro são cortadas ou bastante reduzidas nas telonas e como o inverso também acontece. Por exemplo, o início do livro, desde antes de Harry descobrir que é um bruxo até ser buscado por Hagrid, levado ao Beco Diagonal e etc, é contado com muito mais detalhes do que eu lembrava, enquanto no filme é breve. Ou cenas memoráveis do filme, como quando Harry engole o pomo de ouro; não tenho certeza se alguém que só leu o livro teria lembranças tão nítidas do momento ─ algumas cenas marcantes no cinema são passagens miúdas no livro.
"Harry estava voando rápido de volta ao chão quando a multidão o viu levar a mão à boca como se fosse vomitar ─ ele pousou no campo de gatas ─ tossiu ─ e uma coisa dourada caiu em sua mão."

Encontrar essas coisas que destoam da pré-concepção é que dá um toque especial à releitura. Foi muito legal descobrir que a Hermione, no começo, é chata e pentelha. Ou que o Harry não tem cabelo de cumbuca. Ou ainda que o Dumbledore é biruta e faz o seguinte discurso no início do ano letivo:
"─ Sejam bem-vindos! ─ disse. ─ Sejam bem-vindos para um novo ano em Hogwarts! Antes de começarmos nosso banquete, eu gostaria de dizer umas palavrinhas: Pateta! Chorão! Destabocado! Beliscão! Obrigado."

Harry Potter e a Pedra Filosofal carrega um tom mais infantil e inocente, bem diferente dos livros seguintes, que parecem ir amadurecendo progressivamente. Quanto à escrita da autora, acho que nem preciso dizer, é muito agradável e discorre maravilhosamente bem, prende o leitor daquele jeito psicótico (mesmo o eu-de-seis-anos-depois).
"Afinal, para a mente bem estruturada, a morte é apenas a grande aventura seguinte."

"Ele não entende que um amor forte como o da sua mãe por você deixa uma marca própria. Não é uma cicatriz, não é um sinal visível... ter sido amado tão profundamente, mesmo que a pessoa que nos amou já tenha morrido, nos confere uma proteção eterna."

Ah, o Dumbledore e suas lições de vida. Todo livro tem no final uma conversa entre ele e Harry, sentados na cama do dormitório, numa maca da ala hospitalar ou talvez na sala do diretor comendo aqueles insetinhos infernais; afinal, não pode faltar a moral da história.

Por outro lado, já saber mais ou menos o que vai acontecer ao longo da série nos permite fazer conexões curiosas, ir ligando os pontos. Também encontrei algumas brechas, pontas que não me lembro quais são os nós ─ e que deixam a releitura um pouco mais instigante.
"─ Existe todo tipo de coragem ─ disse Dumbledore sorrindo. ─ É preciso muita audácia para enfrentarmos os nossos inimigos, mas igual audácia para defendermos os nossos amigos. Portanto, concedo dez pontos ao Sr. Neville Longbottom."

Adoro essa parte e tinha que colocar aqui. Mas enfim, começar essa releitura foi realmente muito prazeroso. É como reviver uma lembrança boa. Reler algo que foi tão forte na minha infância e, como foi para muita gente, a porta da frente do mundo literário. O fato é que Rowling criou um universo sem igual, ela é primorosa e fez uma marca funda na minha geração.

Só não sei se eu diria em 1997, quando foi lançado o livro, que se transformaria em febre mundial ou que Rowling estaria mais tarde entre os autores mais lidos do planeta. Muito menos que um dia seria mais rica que a própria rainha do Reino Unido. Mas ela tem o crédito que tem, e não é por sorte, é por total e absoluta genialidade.

Por hoje é só. Vejo vocês na próxima parte dessa experiência, em A Câmera Secreta. Até lá!
"Que pena! Cera de ouvido!"

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