Salò ou 120 dias de Sodoma, Pier Paolo Pasolini


Inspirado no livro homônimo de Marquês de Sade e talvez ainda mais polêmico que a obra de inspiração, “Salò ou 120 dias de Sodoma” é certamente um dos filmes mais perturbadores que já foi feito na história do cinema. A película narra a história de um grupo de jovens sequestrados por uma elite Italiana fascista no auge da segunda guerra. Presos numa mansão, eles sofrem uma série de torturas por quatro fascistas durante o ano de 1944, quando a Itália era governada por Mussolini; na obra do Marques de Sade são nobres da alta corte que infringem as torturas.



A versão de Pasolini é dividida em 3 fases, chamadas de 'círculos', sendo o primeiro o Círculo das Manias, onde os sequestradores satisfazem seus mais variados desejos sexuais, bem aos moldes libertinos (clara inspiração Sádica). Em seguida, o Círculo das Fezes, repleto de cenas de escatologia, onde os jovens são obrigados a cometer inúmeros atos asquerosos que incluem até mesmo coprofagia. E por último, o Círculo de Sangue, onde os prisioneiros que não se submeteram completamente aos desejos dos fascistas são punidos através de mutilações, torturas físicas e morte violenta.

O filme é talvez a produção insana de um diretor brilhante, e é certamente sua obra menos compreendida; por ser seu último trabalho e por carregar o estigma da pornografia em diversos momentos, alguns o julgam como uma obra meramente pornográfica. O essencial, porém, passa despercebido a muitos, pois Pasolini sempre quis trazer à tona mensagens de cunho político e no caso especial dessa obra polêmica e controversa, seus alvos eram a política italiana e a igreja católica. Pasolini era homossexual, ateu e comunista, completamente à favor da nudez e muito provavelmente um empolgado em literatura libertina.



Para chegar ao cerne de Saló, o ideal é colocar as próprias preconcepções sobre o pornográfico e sobre o nu em suspensão, e abstraídos dessas questões, assisti-lo sob o ponto de vista político. Caminho que por sua vez não deve ser feito na leitura da obra de Marques de Sade, pois este certamente incluía a prática sexual, bem como a crítica política em suas ideias ou em seu sistema filosófico. Pasolini, por sua vez, quis dar voz a algo que ecoava em seu tempo, um grito político contra o fascismo e contra todos os regimes ditatoriais.

Os dezesseis jovens presos no castelo por seus algozes fascistas deveriam estar sempre nus, e acima de tudo, aceitar as regras e fetiches impostos por seus ditadores. O que por si só já demonstra a motivação de Pasolini, ou seja, denunciar o que um grupo de ditadores pode causar a um grupo oprimido. O que os jovens sofrem, pode ser facilmente associado ao sofrimento que um prisioneiro de guerra, ou mesmo todo um povo vitimado por uma ditadura, é obrigado a enfrentar quando estão na posição de oprimidos. Pasolini gostava de trabalhar com atores amadores, e é o que faz neste seu último filme, de modo que as cenas com esses atores amadores, apesar de causarem certo desconforto até hoje, foram muito bem dirigidas e construídas. É um filme intenso, perturbador, mas não irrefletido; o uso da pornografia não é apelativo, mas, um instrumento para demonstrar a intensidade da dor perante uma realidade histórica pela qual a humanidade efetivamente passou.

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