Poucas vezes algo me deixou sem saber como falar. Não que eu tenha essa dificuldade, até falo demais, mas não consigo montar uma sinopse única e acurada de “A Menina Submersa” porque o livro tem níveis de informação demais e porque todos eles são complexos o bastante para não serem facilmente expressos em escrita. Eu me esforçarei muito para tentar, mas já deixo o aviso de antemão: o livro é muito mais do que essa - ou qualquer outra - resenha jamais será capaz de contar.
India Morgan Phelps é uma menina esquizofrênica. Sua mãe e sua vó também eram, e se mataram em decorrência disso. Imp narra sua história acreditando estar destinada ao mesmo destino, já que tem a mesma doença de suas antecessoras. A menina também é aficionada por duas obras de arte: Fecunda Ratis, de Albert Perrault e A Menina Submersa, de Phillip George Saltonstall, que dá origem ao título da obra. Imp está escrevendo uma história a fim de manter os acontecimentos de sua vida registrados. Sua intenção é que sirvam como alicerce em momentos de dúvida sobre o que é real e o que não é. A necessidade de escrevê-la se dá pelo fato de que Imp não consegue discernir mais o que foi uma lembrança ou fruto de sua imaginação, sintoma da esquizofrenia. Alertando ao autor que suas memórias não são confiáveis, ou sequer existiram, a autora dentro da obra narra o que se lembra, da maneira que se lembra, e é onde a magia acontece. Suas lembranças são permeadas de criaturas fantásticas que são relacionadas de acordo com a situação.
A vida de Imp é explicitada para o leitor através da narrativa dela. Uma clássica e muito (ênfase em “muito”) bem executada metalinguagem. A história não é linear: Imp alterna entre passado e presente com frequência e faz uso de toques muito sutis e eficazes para mover o leitor por essa transição. O tempo presente narra acontecimentos comuns como o datilografar de sua história, e essa história tem o papel de contar o passado, da maneira como se lembra.
“Vou escrever uma história de fantasmas agora”, ela datilografou.
“Uma história de fantasmas com uma sereia e um lobo”, datilografou mais uma vez.
Eu também datilografei.
A Menina Submersa é mais que uma história de uma garota esquizofrênica. É um cruel passeio pela sua doença. Sem saber o que foi real ou não, a protagonista (e o leitor também) se vê obrigado a levar como verdade tudo o que é contado, mesmo que desconfie. Não há uma base sólida de informação que possa ser usada para desmentir ou confirmar o que está ali. E isso é brilhante! O que quero dizer é que não existe nada que o leitor possa encontrar no livro, nem fora dele, que possa ser usado como argumento. Quer ver um exemplo? Um leitor mais intencionado em questionar a interpretação de Imp do quadro A Menina Submersa, pode ter ido ao Google procurar imagens do quadro para obter a sua própria interpretação. Eu quis ver a obra por mim mesmo. Mas surpresa: não existe! Durante o livro todo você crê que as duas pinturas e seus autores são reais, mas não são. É um choque descobrir que não existem e, de novo, brilhante! Se algo que você acreditou durante todo o tempo da leitura que era real não é, o que mais pode ser confiado? Onde está o limiar de fato e fantasia? Não existe aqui. Não mais.
Caitlin R. Kiernan é uma escritora fantástica! Elogiada por Neil Gaiman, ela consegue transformar a relação entre leitor e obra em algo único e diferente de tudo que você já tenha experimentado antes. Não é apenas uma leitura, mas sim uma imersão na mente de uma personagem e em sua personalidade atribulada. Você conhece os receios de Imp e os sente. O leitor fica, então, atrelado à história e não vai conseguir se desvencilhar dela nem mesmo após virar a última página. Nem vai querer. Há o medo da descoberta do que é real ou não. Não da verdade, mas do que pode não ser. Confuso? Você vai me entender.
Esse é um livro da editora Darkside e tem a edição mais bonita que vi até agora. A capa é toda em relevo e as bordas das páginas são coloridas. É clichê mencionar o quão bonito um livro da editora é, mas é! Nunca li nenhum outro título da autora e me sinto envergonhado ao confessar isso, pois ela tem muitos e, dado a qualidade surpreendente que achei aqui, pretendo ler outros. Sim, eu confirmei, Kiernan é uma autora real. Os livros existem.
Já me interessou. Gosto de livros que me surpreendam...
ResponderExcluirEsse é, definitivamente, um para você, então. Boa leitura!
ExcluirSou louca por esse livro <3
ResponderExcluirRAQUEL? Eitaaaa! Eu também sou agora.
ExcluirE não é que eu fui buscar as imagens antes de terminar de ler a resenha sobre o livro, rsrsrs. Quero ler sim, ainda mais agora depois de ler sua resenha. Obrigado.
ResponderExcluirAchei essa brincadeira com a existência (ou falta de) das imagens muito legal!
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